“Meu coração está a mil”, disse Elizete Aleixo enquanto fechava a porta de seu Fox vermelho, estacionado na frente de casa, em Conselheiro Lafaiete (MG), a 100 km de Belo Horizonte. Além dela, o marido e mais duas irmãs se espremeram no carro abarrotado de malas. A aposentada de 63 anos estava eufórica com a viagem até Brasília. Era quase meio dia de 28 de dezembro, e ela queria pegar logo a estrada. “Era pra gente ter saído umas 9h30, mas não deu”, lamentou. “Não vejo a hora de estar na Esplanada e participar dessa festa super incrível da nossa democracia, ainda mais depois de tanta luta.”
De Conselheiro Lafaiete a Brasília, Elizete e seus parentes viajaram mais de 820 km, trajeto parcelado em dois dias. Na primeira etapa, a família fez paradas nas cidades mineiras de Paraopeba, Três Marias, e, pela noite, em João Pinheiro, onde dormiram. No dia seguinte, não houve atrasos. Pegaram a estrada bem cedo, fizeram apenas uma parada em Cristalina, cidade do interior de Goiás, e chegaram a Brasília no início da noite. Estão hospedados na casa de parentes que vivem na capital.
Essa não é a primeira posse presidencial que Elizete presencia. Em 2003, ela estava em Brasília no meio da multidão que ocupou a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes trajada de vermelho em apoio a Lula, que assumia a Presidência pela primeira vez. “Aquilo parecia mentira, não acreditávamos que Lula pudesse chegar lá, com todas as suas ideias, sua lindeza e boa vontade”, lembra a aposentada. “Ele tinha tentado tantas vezes e não conseguia. Quando assumiu, foi uma catarse. A gente chorou o tempo todo.”
Vinte anos depois, Lula será novamente empossado em Brasília neste domingo. Mas a situação é bem diferente da vivida em 2003, como atesta Aleixo. “O Brasil tá uma loucura. O que o Bolsonaro fez nos últimos quatro anos mexeu com a mente de todo mundo, foi grande o estrago que esse cara fez. Então agora a gente quer ver a esperança de volta e presenciar o começo de uma reconstrução”, explicou. “Vai ser histórico ver o retorno de Lula, me sinto como um personagem dentro de um enredo. Dá até cócegas no peito”, disse, sorrindo.
Aleixo, suas quatro irmãs e suas amigas planejaram com antecedência esse momento. Logo depois do segundo turno da eleição, quando se confirmou a vitória de Lula, elas encomendaram numa costureira da capital uma fantasia feita a partir do desenho da bandeira do Brasil. Já sabiam, desde então, que estariam em Brasília no dia da posse. E já tinham uma certeza: queriam assistir à cerimônia vestidas de verde e amarelo, combinação de cores que nos últimos anos foi sequestrada pela militância bolsonarista.
“Nós vamos estar fantasiadas como num bloco de carnaval, vai ser nosso bloco da posse. Temos que resgatar essa bandeira pra gente, porque é um absurdo o que eles fizeram. O verde e amarelo é do Brasil”, argumentou Valéria Aleixo, de 58 anos, comerciante e irmã mais nova de Elizete. Acompanhada do filho Luan, de 22 anos, ela deixou Conselheiro Lafaiete na tarde do dia 29 de dezembro. Viajou de ônibus, enquanto o restante da família se espremia no Fox da irmã. Conta que dormiu a maior parte da viagem. “Viajar de ônibus é aquela coisa, né? Então pra passar mais rápido o tempo, tomei um Dramin e apaguei.”
A caravana da família Aleixo é uma dentre as mais de 800 que devem chegar a Brasília até hoje, 1º de janeiro. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) estima que cerca de 47 mil pessoas devem desembarcar na capital federal de ônibus, micro-ônibus e vans vindas de todas as partes do Brasil. Os organizadores da posse estimam entre 250 mil e 300 mil pessoas o público que vai participar das atividades, que começam cedo neste domingo e devem se arrastar até a madrugada do dia seguinte, com shows de artistas como Pabllo Vittar, a futura ministra da Cultura Margareth Menezes, e BaianaSystem.
A capital já está lotada de turistas que vieram para o réveillon e a posse. Cerca de 85% dos quartos de hotéis e pousadas, em média, estão ocupados, mas alguns empreendimentos já não têm vagas há mais de um mês. Em outros anos, a lotação mal passava dos 50%. Para acolher caravanas, o Governo do Distrito Federal reservou o Pavilhão de exposição do Parque da Cidade, o estádio Mané Garrincha, a Granja do Torto e cerca de 20 escolas públicas no Plano Piloto para alojamento dos militantes.
Depois dos ataques vândalos ao prédio da Polícia Federal em 12 de dezembro e da tentativa de explodir uma bomba nos arredores do aeroporto de Brasília, na véspera do Natal, a segurança de Lula e de todos os presentes foi reforçada. O efetivo de segurança foi reforçado e contará com agentes das polícias Civil e Militar do Distrito Federal, da Polícia Federal, da Força Nacional de Segurança, da Polícia Rodoviária Federal e das Forças Armadas. “Até deu medo de vir, por conta desses ataques terroristas. Fiquei com aquela pontinha de dúvida. ‘Será, meu Deus?’. Mas acredito que na hora a coisa vai estar bem produzida e a segurança bem reforçada. Vamos tranquilos”, disse Elizete.
A viagem da família para Brasília já estava planejada desde 2021, antes mesmo de Lula ser oficialmente candidato à Presidência. Em reuniões familiares, os Aleixo já sonhavam com a vitória e consequente posse presidencial. Quem puxou as conversas da viagem e mais animou a família toda foi o funcionário público Kerman Aleixo, de 45 anos, que chegou à capital de ônibus na tarde do dia 30 de dezembro. Militante desde a faculdade, ele é o mais petista da família. “Vai ser uma posse muito emocionante depois de uma vitória grande que tivemos. Então, o que eu pude fazer para trazer o pessoal para acompanhar essa alegria e essa festa da democracia que vai ser, eu fiz”, contou.
A família Aleixo está hospedada com parentes que vivem em Brasília. Para a virada de ano, reservaram lugares num salão num clube à beira do Lago Paranoá. A festa foi toda temática. Os forros de mesa e a decoração eram majoritariamente vermelhos e estrelas povoam grande parte do ambiente. Para convidar os amigos, eles fizeram um vídeo com as informações do local e uma mensagem de esperança ao som de “É”, canção de Gonzaguinha cujos versos falam da vontade de “ser um cidadão” e “viver uma nação”. “Pensamos num réveillon temático pro Lula, porque essa passagem de um ano significa muito mais que qualquer outra, significa uma busca de mudança mesmo, de esperança”, explicou Elizete.