No dia 19 de abril, uma quarta-feira, lia-se na agenda do prefeito de São Paulo: “20h – Passeio de bike.” A atividade soou estranha. Desde que assumiu o cargo, o alcaide da cidade, João Doria, sempre foi considerado pelos militantes da causa das duas rodas inimigo público das ciclovias. Entretanto, naquele horário, sentado no selim, flanando pelo Centro de São Paulo, estava o prefeito interino, Bruno Covas, que assumia por uma semana a gestão da maior cidade do país. Não era a primeira vez. Ele já havia segurado a caneta em fevereiro, quando o titular esteve em Dubai, nos Emirados Árabes, para tratar de privatizações com investidores estrangeiros.
Aos 37 anos, o ex-deputado federal Bruno Covas, neto do ex-governador Mário Covas – um dos fundadores do PSDB, morto em 2001 –, pode ver cair no colo a prefeitura mais rica e disputada do Brasil, o que pôs a cúpula tucana em estado de alerta. Parte dela não vê em Covas a firmeza necessária para comandar a cidade, e já prepara um plano: formar um conselho para tocar o barco e não deixar o timão nas mãos do vice. Uns chamam de providência necessária. Os mais contidos falam em “precaução”. Os astutos, na encolha, arriscam até uma palavra da moda: golpe. “O Bruno tem uma certa falta de talento para o Executivo”, confidenciou um membro da cúpula tucana.
De rosto rechonchudo e olhos puxados, barba feita e dentes que poderiam estar em uma propaganda de creme dental, Bruno Covas me recebeu em seu gabinete usando calça e camisa sociais. Acomodado em uma poltrona macia na espaçosa sala de pé-direito alto no sexto andar do Palácio do Anhangabaú, no Viaduto do Chá, Covas se via às voltas com a pauta do dia seguinte: a greve geral marcada para 28 de abril que levou as centrais sindicais para as ruas contra as reformas do governo de Michel Temer, sobretudo a trabalhista. Ele, que já participou de protestos no passado, estava preocupado com o trânsito. “A diferença é que quando fui para a rua a favor do impeachment da Dilma era domingo, para não atrapalhar a vida dos outros”, disse.
Bruno Covas sabe que a ideia de assumir o comando da maior metrópole brasileira ganha força a cada pesquisa que joga o nome de João Doria para o alto. Ele seria o primeiro beneficiado pelo cenário político, em fervura alta, que coloca Doria como principal nome do PSDB às eleições para a Presidência em 2018 – o prefeito vem mantendo uma distância considerável do virtual candidato Geraldo Alckmin, segundo pesquisas recentes do site Poder360. Mesmo que não chegue ao segundo turno ou vença a eleição presidencial, Doria deveria se licenciar do cargo durante a campanha, deixando a cidade aos cuidados do vice. Perguntado sobre o assunto, Covas costuma tergiversar. “Esse é um cenário que a gente não trabalha ainda”, disse antes de soltar uma risada enigmática. “Em um momento mais oportuno a gente fala, mas ainda não é um tema, hoje é o governo do João Doria. Não posso falar sobre um cenário como esse, é muito complicado para mim.”
O assunto não está, no entanto, no futuro distante para a cúpula tucana. Novos e antigos integrantes do partido estão apreensivos diante da perspectiva de Covas assumir o comando de São Paulo. Na avaliação de parte deles, o vice não tem vocação para o cargo. “A posição demandaria, acima de tudo, o que chamo de ‘vontade inabalável’, coisa que ele não tem”, disse-me um deles.
Outro avaliou que Covas seria “um aprendiz que usa métodos velhos”, como o suposto aparelhamento dos órgãos que dirige. Quando deixou a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, em 2015, cerca de 60 funcionários seus foram exonerados, o que levantou a hipótese de que ele teria promovido a distribuição de cargos em troca de apoio político para a carreira.
Nos bastidores, não se fala em desastre em caso de um governo Bruno Covas – ainda persiste a confiança de que a máquina da prefeitura consiga andar sozinha. Mas, para evitar anos opacos e incertos em uma gestão tucana, membros do ninho já discutem uma articulação que possa incluir outros nomes na jogada, sobretudo do campo antipetista, mesmo que fora do PSDB. A união seria uma espécie de aliança municipal para dar sustentação a Covas. Nesse cenário hipotético, um “super secretário” seria a saída para assumir boa parte da responsabilidade de dirigir São Paulo nos bastidores, o que tornaria Covas, no limite, um prefeito aparente.
O embate para criar o que outro tucano experiente chama de “conselho dos cabeças brancas” se anuncia duro. Na política desde os 18 anos, Bruno Covas parece pacato, mas sua carreira não dá pistas de que ele deve largar o osso. Reunidos em uma chapa que se desenhou como alternativa aos políticos tradicionais, Doria e Covas se apresentaram aos eleitores de formas distintas nas eleições do ano passado. Enquanto o atual prefeito queria ser visto como o empresário que manteve distância da vida partidária, seu vice não se contém: “Adoro política”, costuma dizer.
Aos 24 anos, ele foi candidato a vice-prefeito de Santos, e perdeu. “Mesmo assim percebi que era isso o que queria para a minha vida”, explicou. Depois do primeiro fracasso eleitoral, Covas entrou para o núcleo do tucanato paulista quando assessorou Geraldo Alckmin e Claudio Lembo na Assembleia Legislativa de São Paulo. Em 2006, foi novamente às urnas, e venceu – foi eleito deputado estadual. A militância no ninho rendeu a cadeira de secretário estadual do Meio Ambiente em 2011. Na época, Covas já aparecia como um possível pré-candidato à prefeito, correndo por fora. A necessidade de renovação dentro do partido era seu principal mote para justificar seu projeto político. “Nos últimos vinte anos, o PSDB teve dois candidatos para três cargos: prefeito, governador e presidente. Ou era Serra ou Alckmin. Era preciso renovação”, disse. O partido não lhe deu ouvidos. Quando vieram as eleições municipais de 2012, o PSDB concorreu com Serra, e perdeu para Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores.
Para quem é visto como alguém pouco persistente por parte do tucanato, Covas lutou contra a fama e foi novamente às urnas. Nas eleições de 2014, concorreu a uma vaga no Congresso Nacional. E levou: com 352 mil votos, foi o quarto deputado federal mais votado de São Paulo, atrás dos fenômenos populares Celso Russomanno, Tiririca e Marco Feliciano. “Adoro política, fui fazer cursos que achava importantes para seguir na vida pública, militei na juventude do partido, fui me preparando para enfrentar o desafio de ser candidato. Gostava de passar férias em Brasília, esperava os anos pares em que haveria eleições para poder passar as tardes nos comitês. Tenho sorte de fazer o que me sinto vocacionado para fazer”, disse Bruno, formado em Direito e Economia.
Bruno Covas foi um típico jovem paulistano de classe média nos anos 90 e 2000. Na adolescência, cultivou cabelo comprido, quando aluno do tradicional Colégio Bandeirantes. Fã de bandas de rock, como Guns N’ Roses, Metallica, Titãs e Paralamas do Sucesso, é frequentador assíduo de cinemas: “Vou toda semana.”
Mais tarde, durante algum tempo, também deu aulas de Direito Constitucional em uma faculdade particular de Santos. Foi sua única experiência em uma atividade sem caráter político. Preferiu voltar para a fogueira em que costumam imiscuir-se os personagens públicos. E não fugiu das polêmicas. Em junho de 2015, já em Brasília, votou a favor da PEC que reduz a maioridade penal para 16 anos. Na oportunidade, viu rodar na internet um vídeo em que seu avô Mário Covas respondia perguntas sobre o tema, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. “Que país é esse que, para reduzir a criminalidade, tem que reduzir a idade? Que bobagem é essa? Eu sou rigorosamente contra. Não vejo nenhuma razão que, para você resolver o problema da criança infratora, você tenha que diminuir a idade da pena de 18 anos passa a ser 16 anos”, disse o então governador de São Paulo, em 1999. Bruno justificou o voto contrário às ideias do avô afirmando que “o mundo mudou” e que o jovem deste século teria condições de distinguir entre o certo e o errado. No Congresso, também votou a favor do afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment.
A sombra do avô sempre esteve presente em sua vida. Respeitado em setores da esquerda e da direita, Mário Covas morreu quando ainda era o governador de São Paulo. A cadeira do Palácio dos Bandeirantes sobrou para Geraldo Alckmin, que colocou Bruno sob suas asas. O vice-prefeito diz que, desde cedo, evitou participar de movimentos estudantis ou externar opiniões políticas para não causar embaraços ao avô. “Isso sempre esteve muito presente. Mas na vida pessoal acho que não influenciou, tanto que não virei porra-louca quando ele morreu.”
Instado a se comparar a Doria caso assuma a prefeitura, Covas prefere não entrar em detalhes específicos de como comandaria a execução das promessas de campanha do titular, como as privatizações do Autódromo de Interlagos, do Anhembi e do Estádio do Pacaembu, alguns dos equipamentos icônicos da cidade. “Isso é página virada.”
Como secretário das prefeituras regionais, cargo que acumula com o de vice-prefeito, Covas passa boa parte do tempo circulando pelos bairros de São Paulo. A agenda do prefeito mostra que os dois comparecem juntos a alguns encontros com empresários e líderes religiosos e que fazem visitas surpresas nas administrações regionais. Quando Doria se vestiu de gari e foi varrer a avenida Nove de Julho no primeiro dia de sua gestão, Covas estava lá, uniformizado e de vassoura na mão. Alguns dias depois, os dois andaram de cadeiras de rodas para divulgar o programa de recuperação de calçadas. Se Doria não está presente, o vice segue a mesma linha e exibe as imagens na sua conta no Twitter. De jeans surrado, participou de mutirões para construir calçadas; e voltou a vestir o uniforme de gari mais de uma vez para limpar praças e ruas junto com voluntários. Nessas ocasiões, um sempre sorridente Bruno Covas tem oportunidade de fazer o que diz mais gostar na vida: política. O corpo a corpo com os eleitores se mantém intenso, seja na zeladoria urbana, seja no passeio de bike. Falta convencer os correligionários de cabelos brancos.