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questões da política

De volta à “patifaria”

Bolsonaro perdeu metade de sua base política e ficou na mão daqueles com quem prometeu jamais negociar

José Roberto de Toledo | 24 abr 2020_22h23
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Ao forçar a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça, Jair Bolsonaro perdeu metade de seu cacife político, deu balas de canhão para o Congresso disparar contra ele em um cada vez mais provável processo de impeachment e, de quebra, impulsionou a mais forte candidatura presidencial de oposição contra si: a do próprio Moro. Por que o presidente dispararia tantas vezes contra o próprio pé? Por que agora? 

Antes das conjecturas, os fatos. Levantamento da consultoria Arquimedes aponta que, no debate político sintetizado pelo Twitter, Bolsonaro encolheu a um isolamento raramente visto. Dos 44% de menções favoráveis que tinha na véspera, o presidente ficou reduzido a 18% de manifestações a seu favor na sexta-feira. Quando a Arquimedes extrai apenas os tuítes que mencionam Moro e Bolsonaro simultaneamente, a surra é ainda maior: 90% a favor do ex-ministro, 10% pró-Bolsonaro. 

Bolsonaro perdeu os lava-jatistas. Foram eles que viabilizaram sua eleição, em 2018, ao descarregarem no candidato do PSL todo o desejo de derrotar o PT. Aderiram de vez após Bolsonaro ter sido esfaqueado em Juiz de Fora (MG), sumir do debate político e, por consequência, parar de criar embaraços para quem queria votar nele mas tinha vergonha. Sem eles, Bolsonaro volta à sua popularidade pré-facada.

O presidente tende a afastar cada vez mais os lava-jatistas à medida que seu gabinete do ódio concentra o fogo anti-amigo nas redes sociais contra o herói da Lava-Jato. Moro saiu do governo levando consigo uma coleção de mensagens de WhatsApp comprometedoras contra o presidente, mas muito mais do que isso. Ele tira de Bolsonaro a chance de o ex-chefe recuperar aqueles simpatizantes antipetistas que queriam gostar do governo bolsonarista mas não tinham desculpa para declarar sua simpatia. Ao pedir emprego e se colocar “à disposição do país”, Moro vestiu o figurino de candidato e preencheu esse vácuo. Não lhe faltará legenda nem companheiro de chapa. O Podemos e Mandetta, o ex-ministro da Saúde, já se assanharam.

De volta às conjecturas.

Há de haver um motivo grave e urgente que explique Bolsonaro arrancar o colete à prova de balas, desembainhar a adaga e apontá-la contra o próprio abdômen político. O harakiri presidencial não é acaso. E, se a auto-facada tem causa, há de ter consequências planejadas. Ninguém junta tantos generais em um palácio sem ouvir a palavra “estratégia” incontáveis vezes ao dia. Militares planejam batalhas, escolhem alvos, contam tropas mesmo quando não há inimigos.

A hipótese mais popular nas redes para explicar o motivo de Bolsonaro demitir o diretor-geral da Polícia Federal e provocar a maior de uma sucessão de crises políticas é medo. Medo do presidente de que investigações da PF estivessem por incriminar o 01. Mas a “rachadinha” do gabinete de Flavio Bolsonaro não parece ser o motivo principal. O inquérito que mais incomoda Bolsonaro é o que trata do financiamento, por empresários bolsonaristas, de campanhas de difamação na internet e que acabariam por desaguar no 02 e, no limite, no próprio 00.

Nesse cenário, pagar o altíssimo preço político de alienar Moro, a Lava Jato e seus fãs seria imperativo para manter a Polícia Federal no bridão e garantir que a intersecção entre a família de zeros e a liberdade de ir e vir não seja um conjunto vazio.

O cenário se agravou porque Bolsonaro não apenas criou um novo adversário eleitoral como transformou-o em inimigo. Um inimigo convicto e que, quando lhe convém, sabe coletar provas. A interferência de Bolsonaro em inquéritos da Polícia Federal, se provada, é um crime que o Congresso será obrigado a investigar. Para escapar, Bolsonaro terá que fazer um curso intensivo de toma-lá-dá-cá com seus novos velhos amigos, aqueles condenados e presos durante o mensalão. A única escapatória do presidente é aquele tipo de política que Bolsonaro chamou de “patifaria”.

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