Com oito cotas de patrocínio, cada uma comercializada por 78 milhões de reais, picos de audiência na tevê aberta e imensa repercussão nas redes sociais, o Big Brother Brasil 21 é um sucesso estrondoso que se deve à seleção do elenco. Escolher quem vai ingressar no programa envolve uma complexa engenharia que não tem nada de casual. Mais de duzentos funcionários da Globo trabalharam ao longo de um ano para selecionar participantes com perfis ligados às discussões do momento na sociedade e que, quando colocados juntos, pudessem despertar amor e ódio no público. E a seleção dos participantes acabou definindo a agenda de temas. Se no BBB20 o tema foi o machismo de homens de comportamento tóxico, na edição deste ano, com a participação de pessoas que tinham histórico de militância, as questões identitárias têm dominado as polêmicas do programa. Dos 20 selecionados, 9 são autodeclarados negros. Trata-se do maior elenco negro da história do reality. Pelo menos seis integrantes já se disseram gays ou bissexuais. Natural, portanto, que temas ligados a racismo e LGBTfobia estejam na pauta da casa.
Até 2020, a Globo mantinha um time de “olheiros”, cuja missão era viajar por todos os estados em busca de pessoas com potencial para se isolar na “casa mais vigiada do Brasil”. Os escolhidos até faziam as mesmas provas seletivas a que os demais inscritos se submetiam. Ter passado pelo crivo dos “olheiros” era meio caminho andado. Em 2020, quando o reality show decidiu escalar famosos pela primeira vez em duas décadas, apenas a mineira Ivy Moraes chegou à casa depois de ser convidada por um caça-talentos. Já a edição atual não contou com o serviço de “olheiro”, sobretudo em razão da pandemia. Dos vinte concorrentes desta edição, metade era desconhecida e a outra metade, famosa (ou quase). A emissora batizou o primeiro grupo de Pipoca e o segundo, de Camarote. Cerca de 90 mil inscritos almejavam fazer parte da disputa.
Também por causa da crise sanitária, os integrantes do grupo Pipoca fizeram a seletiva de forma 100% online. Todos preencheram a inscrição pelo site da Globo. Alguns eram velhos conhecidos dos recrutadores, como o modelo Arcrebiano e o professor de crossfit Arthur, que haviam se inscrito quatro e cinco vezes respectivamente. A produção de elenco costuma valorizar os candidatos que insistem no sonho de ser aprovados.
Depois de convocados, os “pipocas” enfrentaram uma série de entrevistas e dinâmicas com recrutadores e psicólogos. O processo começou em julho de 2020 e poderia resultar na eliminação dos pleiteantes à vaga que se saíssem mal. Logo na primeira conversa, a Globo informou que todos deviam manter abertas suas redes sociais. O conteúdo postado também estaria sob a avaliação dos selecionadores. Enquanto atravessava essa etapa, a psicóloga Lumena, por exemplo, publicou lives no Instagram que giravam em torno de “reflexões, memórias e vivências” ou de “novos olhares, narrativas e conteúdos”. Ela se expressava em perfeito “lumenês”, à maneira do que tem feito dentro da casa, onde esbanja palavras como “acolhimento”, “protagonismo” e “ressignificado”.
Cada desconhecido encarou seis entrevistas por videochamada, que duravam entre sessenta e noventa minutos. Não raro, as dinâmicas lembravam as realizadas por agências de RH. Havia perguntas como: “qual característica você mais valoriza num amigo?” ou “você já fez alguma loucura por amor?” Numa das dinâmicas, os postulantes tiveram que desenhar um bicho com o qual se identificavam.
Nas conversas seguintes, o funil foi ficando mais estreito. Atributos favoráveis na seleção: a pessoa falar estar solteira, dizer que beija homem e mulher, avisar não ter receio de ser intenso ou se expor, gostar de dançar e beber nas festas. Nem sempre o que é falado nas seletivas é cumprido. “Até a edição passada, essas dinâmicas eram feitas em grupos de cerca de quarenta pessoas. Todos nós ficávamos em um hotel em São Paulo para fazer as seletivas finais”, lembra Guilherme Napolitano, do BBB20.
Da edição que está no ar, há duas grandes frustrações entre os produtores de elenco: Lumena e Thaís Braz, do grupo Pipoca. Lumena se mostrava nas seletivas uma mulher engraçada e animada. Era, sim, uma ativista, mas falava de suas questões com leveza. Não tinha empáfia nem discurso professoral. Mas mostrou-se ali dentro uma pessoa cheia de verdades e pouco aberta ao diálogo. Thaís, nas entrevistas, era chamada de “risadão” por seu sorriso largo e estridente. Na casa, porém, seu carisma é inexistente. A unanimidade: o acerto do nome de Sarah da Costa Andrade, que entrou na cota que existe todo ano, a da “gata esclarecida” (na edição de 2020, esse papel coube à médica Marcela Macgowan).
Uma vez aprovado, a Globo orienta os anônimos a contratar uma empresa de assessoria especializada para cuidar de redes sociais. O argumento da emissora: deixar Twitter e Instagram sob o comando de mãe ou namorada pode ser fatal para a imagem – e se a pessoa se envolve com alguém lá dentro? Todos os anônimos da edição atual contrataram os chamados “adms”, especialistas por administrar redes sociais, pouco antes. Os adms cobram até 30 mil reais por um pacote que inclui plantão 24 horas por dia para ver pay per view e produzir conteúdo (positivo) para as redes sociais.
Já o núcleo camarote, dos famosos, chegou ali de outras formas. Alguns foram convidados de forma direta, caso dos cantores Fiuk e Karol Conká. O rapper Projota soube do convite por sua gravadora, a Universal. Todos eles passaram por seletivas e entrevistas – mas, ao contrário dos anônimos, os artistas tiveram seus empresários participando de algumas reuniões.
A influenciadora Nath Finanças (326 mil seguidores no Instagram) fez algumas entrevistas para o BBB, mas acabou não fechando contrato. O mesmo aconteceu com a youtuber GKay (13 milhões de seguidores): recebeu convite, fez entrevistas e o negócio não foi para frente. Procuradas pela piauí, as duas confirmaram as seletivas, mas não explicaram se desistiram ou se foram preteridas. Outros artistas recusaram de cara. A cantora Giulia Be (2 milhões de seguidores) agradeceu o convite, mas não quis saber da história. Todas elas hoje respiram aliviadas por não terem entrado.
Karol Conká, empresária de si própria, fez fotos e vídeos para serem postados ao longo dos cem dias de confinamento, caso chegue até a final do reality. Foram 130 imagens pensando em situações como integrar o paredão e ganhar a prova do anjo. Karol contratou músicos e foi para estúdio gravar um single, o qual seria lançado durante o BBB. O objetivo era otimizar a exposição do programa para potencializar sua carreira. Deu tudo errado. Como ela tem sido cancelada por diversas razões, como ter impedido Lucas Penteado de sentar-se à mesa, ter mentido sobre Arcrebiano estar interessado no dinheiro dela e ter acordado Carla Diaz com gritos e dedo na cara, sua equipe suspendeu toda e qualquer ação de marketing. Motivo: postar algo sobre ela poderia aguçar a fúria dos haters.
Fiuk também viu seus planos frustrados – e não apenas pelo fato de o filho do Fabio Jr. ter tomado aulas sobre feminismo e racismo com historiadores. A preparação se mostrou em vão. Frases como “somos homens héteros brancos e privilegiados” soam ensaiadas. Não causa raiva – tampouco empatia. Fiuk também havia gravado um novo single para ser veiculado durante o BBB, mas seu time desistiu de lançar sob o risco de virar chacota. Com sua cara pálida, jeitão um tanto abobado e constante cigarro na mão, virou uma fábrica de memes.
A influenciadora Camilla de Lucas,com 4,1 milhão de seguidores no instagram, contratou uma equipe para produzir fotos e vídeos, com dezenas de looks e piadas diferentes. Tem posto sua estratégia em prática, pois até o momento não foi cancelada. Nego Di, humorista do Rio Grande do Sul, entrou na cota de famosos e saiu com o triste recorde de maior rejeição da história do BBB: 98,76% das pessoas o queriam fora do confinamento.
Os danos na imagem desses artistas serão difíceis de serem contornados. Os produtores de Projota e Karol Conká estão desesperados com os estragos causados. No caso do rapper, sobretudo depois de ele caçoar de Lucas Penteado, que declarou ser fã do cantor, após uma batalha de rima. O escritório de Karol demitiu um funcionário no começo da semana passada como forma de conter despesas e prevê novas perdas financeiras, como possível contratação de escolta para quando ela deixar o reality. Na quarta, dia 10, mãe e filho da artista lavraram um Boletim de Ocorrência após receber ameaças via rede social. O mesmo fez a mulher de Projota, após receber mais de cinquenta mensagens de ódio e ameaças por sua conta no Instagram.
Alguns patrocinadores demonstraram preocupação com o comportamento dos confinados. A Avon foi cobrada porque, além de patrocinar o BBB, também manteve por anos a rapper Karol Conká como sua garota-propaganda, o que gerou especulação sobre interferência na escolha de elenco. Procurada pela piauí, a empresa de cosméticos enviou um comunicado via assessoria de imprensa: “A Avon, uma das empresas patrocinadoras do BBB 21, não teve qualquer participação no processo de seleção de nomes dos participantes do reality show. Também não temos contrato em vigor com a rapper Karol Conká; a artista participou de campanhas pontuais da marca, entre 2016 e 2019. Ao patrocinar o programa, buscamos reforçar os diferenciais dos nossos produtos e estimular conversas relacionadas a temas importantes para a empresa, como a democratização da beleza, transmitindo a mensagem de que a maquiagem pode ser libertadora e inclusiva, ao reforçar a autoestima e derrubar preconceitos e estereótipos.”
Assustados com a repercussão entre familiares e empresários de artistas, a Globo escalou a gerente de produção Mariana Mônaco para acalmar os ânimos de todos. É ela quem recebe mensagens de WhatsApp de familiares queixosos sobre a edição do programa, entre outras coisas. As equipes de Projota e Karol Conká relataram desejo que ambos deixassem o BBB para estancar os problemas de imagem. Nesta semana, a equipe de Karol Conká está aliviada porque a vê na edição como uma “vilã caricata”, que de certa forma pode causar empatia com o público. A conferir como serão os próximos dias, dado o temperamento explosivo da cantora. No contrato entre participantes do programa e a Globo, não existe uma cláusula sobre o caso de autorizar a saída caso um parente faça esse tipo de solicitação.
Entre gestores de crise e empresários de artistas, é consenso que Karol Conká e Projota em maior proporção, pois de fato eram relevantes na música, e Nego Di, humorista conhecido por piadas machistas e datadas, jamais irão recuperar a imagem pré-BBB. Embora os famosos se esforcem para depois juntar os cacos, a Globo é só comemoração: acertou na escolha do elenco, com perfis customizados para causar, com recordes de patrocinadores, audiência e engajamento em rede social.
Procurada pela piauí, a emissora afirmou que as informações solicitadas pela revista dizem respeito às dinâmicas internas do programa ou à relação contratual com os participantes, e não podem ser detalhadas. “As etapas de seleção dos participantes dos grupos Camarote e Pipoca são, por motivos óbvios, diferentes, sendo que, para essa última, tivemos cerca de 90 mil inscritos. Toda e qualquer negociação para participação no Big Brother Brasil envolve exclusivamente o programa, não sendo verdadeiras as especulações sobre outras atrações da Globo. E cabe ao participante e apenas ao participante a decisão final de deixar ou não o programa e ser desclassificado da disputa, conforme as regras.”