, com roteiro, direção e montagem de Paulo Henrique Fontenelle, consegue a proeza de pecar ao mesmo tempo por excesso e escassez.
Depois de receber no ano passado o Prêmio do Público para o Melhor Documentário Brasileiro, na 30ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, e de participar hors concours, também em 2014, da Première Brasil, no Festival do Rio, ao estrear no final de janeiro a expectativa criada sugeria que o filme fosse menos decepcionante.
Acumular três funções chaves na feitura do documentário não parece ter favorecido a tentativa feita por Fontenelle de retratar Cássia Eller (1962-2001), que morreu jovem, no auge da carreira, vítima de um infarto. O filme se ressente de falta total de medida, acumulando depoimentos e efeitos de computação gráfica em excesso, muitos dispensáveis, além de desperdiçar na montagem o rico acervo de imagens de reunido.
Se é verdade, como o próprio Fontenelle declarou, que Cássia Eller “só queria cantar a música dela e emocionar quem estivesse por perto”, a montagem frenética do filme desconsidera o desejo dela. Em o que há é uma profusão de migalhas musicais. Falta ao menos uma interpretação mais longa que permitisse ver e ouvir a cantora em todo seu esplendor. No filme, não se vê a Cássia que o próprio Fontenelle descreveu em outra entrevista como “pessoa que tinha a música e a arte dela em primeiro lugar. Que é um artista de verdade. Não poderia fazer outra coisa a não ser cantar”. Em meio ao naufrágio do filme, apesar de tudo, Cássia Eller consegue se salvar, graças ao vigor da sua presença e aos vislumbres das suas interpretações.
Fazer um documentário sobre uma cantora e não deixá-la cantar é omitir o essencial. Reflete, além disso, desprezo pela música e atração confessa, no caso de Fontenelle, pela “mulher Cássia Eller” de quem foi atrás e diz acreditar ter “descoberto uma pessoa mais fascinante até do que a artista Cássia Eller”. Ou seja, de caso pensado Fontenelle relegou a música a segundo plano e deu destaque “à personalidade da Cássia Eller”.
Fontenelle tem direito de fazer suas opções. Mas a ênfase na vida particular nada convencional, feita em detrimento da música, é uma concessão ao sensacionalismo barato, servindo para atender a curiosidade de espectadores pela privacidade alheia.
A julgar por uma das entrevistas citadas de Fontenelle, ele parece ter sido induzido ao caminho que adotou por ter feito uma interpretação simplista do que Maria Eugênia, ex-companheira de Cássia Eller, teria dito a ele. A única coisa que ela queria “era que o filme fosse honesto e mostrasse todos os lados da Cássia, mesmo a face das drogas, dos casos, de tudo. Para que as pessoas tivessem noção de quem foi a Cássia Eller de verdade”. E deu “total liberdade” para Fontenelle “fazer o que quisesse”.
Louve-se a postura de Maria Eugênia por não cercear Fontenelle e querer que o filme tratasse de diferentes facetas da personalidade de Cássia Eller. Cabia ao roteirista, diretor e montador Fontenelle, porém, dosar o que é comportamental e dar à cantora o devido destaque. E, além disso, deixar claro que dificilmente um filme seria capaz de mostrar “quem foi a Cássia Eller de verdade”, como Maria Eugênia gostaria, muito menos tornar conhecida “a alma dela”, como Fontenelle pretendeu.