Enfim, Marcelo Odebrecht começou a falar. Mas a conversa que teve com os procuradores na última quinta-feira foi apenas a primeira de uma longa série, e oficialmente nem depoimento foi. Dentro da própria Odebrecht, não se espera a assinatura de um acordo de delação premiada antes de novembro. Até o final do processo, muita especulação e inúmeros vazamentos vão rondar o conteúdo das revelações do executivo e de seu time. Uma vez concluída, a delação da Odebrecht fechará um capítulo na história da Operação Lava Jato. Produzirá o maior inventário da corrupção já feito no Brasil. E deixará para a investigação e para as instituições desafios cruciais.
O primeiro desafio decorre da quantidade de políticos com foro privilegiado envolvidos em algum tipo de crime. Nos bastidores, fala-se em duas centenas. Se cumprido o roteiro usual, o Ministério Público enviará ao Supremo Tribunal Federal pedidos para abrir inquérito contra todos, ou quase todos. A questão é que a corte é muito lenta. Uma vez autorizada a abertura de inquérito, o STF leva, em média, 945 dias para decidir se abre um processo ou descarta a acusação, segundo um levantamento da Fundação Getulio Vargas feito para o jornal Valor Econômico. Por isso, uma ala dos investigadores teme que as denúncias de Odebrecht caiam no limbo e passem a opinião pública a impressão de que a Lava Jato chegou ao esgotamento. A lentidão do Supremo foi, inclusive, um dos argumentos utilizados pela banda da Lava Jato que era contra um acordo com Marcelo Odebrecht – como se vê, sem sucesso. Restou aos mais otimistas a expectativa de que a pressão sobre o STF poderá levar a uma mudança na regra do foro privilegiado, que hoje protege cerca de 20 mil funcionários públicos. Acabar com o foro é uma briga muito cara à chamada República de Curitiba. Mas, até que alguma mudança aconteça (se é que vai acontecer), sempre se poderá temer que as investigações sigam um roteiro parecido com o das Operação Mãos Limpas, na Itália, que começou a perder força no momento em que sua abrangência aumentou significativamente.
O segundo desafio tem a ver com a forma de fazer negócios no Brasil. Desde que a operação começou a prender executivos de empreiteiras, fala-se na entrada de novos competidores nesse mercado, pequenos, médios e estrangeiros. Até agora, porém, isso não aconteceu – em parte por causa do desaquecimento econômico, mas também por que não há nenhuma segurança de que, daqui para frente, será possível operar no Brasil sem ter de pagar propina para ninguém. Apesar das altas multas impostas aos corruptos confessos, na prática nada mudou na forma de contratação e na fiscalização de quem fecha contratos com o governo. Segundo me disse recentemente um banqueiro que recebe, por dever de ofício, acionistas de empresas estrangeiras buscando “entender o Brasil”, elas ainda não vieram por que não confiam que a forma de fazer negócios realmente irá mudar.
Mesmo entre as empreiteiras da Lava Jato, há diferenças na maneira de entender o novo contexto. Há as que fizeram delação e acordo de leniência com o governo e estão abandonando áreas de negócios para não ter de lidar com pedidos de propina, porque entendem que não há espaço, no futuro, para empresas corruptas. Mas há, também, os que comemoram ter fechado logo um acordo, porque assim os acionistas não precisaram fazer delação, e a multa, apesar de alta, vai poder ser paga em prestações, ao longo de mais de uma década. Foi o que disse o dono de uma delas, dia desses, numa conversa com um parceiro comercial, em que nenhuma palavra de arrependimento ou mudança foi mencionada. Ao que parece, para alguns colaborar com a Lava Jato saiu barato. Nesse ponto, também, a forma como a Odebrecht sairá do acordo de delação deverá estabelecer um marco histórico – só não se sabe, ainda, quem pagará a conta mais salgada.