O oferecimento da denúncia contra o senador Flavio Bolsonaro (Republicanos), o ex-assessor da família presidencial Fabrício Queiroz e outras quinze pessoas por causa do esquema de rachadinha na Assembleia Legislativo do Rio de Janeiro foi celebrado discretamente em setores do Judiciário, mas com boa dose de ceticismo. Os meandros do processo devem tomar um longo período até que o Tribunal de Justiça decida se dará sequência ao caso ou não.
Reservadamente, procuradores e juízes consideraram alvissareiro que, depois de mais de dois anos de investigação, com percalços e reviravoltas judiciais nesse meio-tempo, a denúncia tenha sido oferecida. Mas o próximo passo é bastante complicado.
Quem vai decidir se recebe ou não a denúncia é o órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio, um colegiado de 25 desembargadores: os treze mais antigos e doze eleitos. Em dezembro, termina o mandato de dois anos dos desembargadores eleitos, e as eleições ocorrerão em 30 de novembro. A escolha dos novos membros, concomitante à apreciação da denúncia do filho do presidente da República, será ainda mais politizada do que já normalmente é.
As quinze pessoas citadas são familiares e vizinhos de Flavio e Queiroz, inclusive as esposas de ambos e as filhas do ex-assessor – a quantidade de denunciados reforça a delonga da apreciação. Eles são acusados dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita.
A forma como o Ministério Público do Rio apresentou a denúncia dá indicativos da sensibilidade do caso. Três semanas depois de ajuizar a ação, a procuradoria fluminense tornou pública a iniciativa na madrugada de quarta-feira, dia 4, durante a apuração dos votos da eleição presidencial americana, o que aliviou o impacto no noticiário. Um texto de dois parágrafos foi divulgado no site do órgão sem citar o sobrenome Bolsonaro, incluindo a investigação num rol de tantas outras: “MPRJ oferece denúncia ao órgão especial do TJRJ em mais um caso de ‘rachadinha na Alerj’.”
Feita a denúncia, a defesa dos investigados tem quinze dias para se manifestar, o Ministério Público pode reagir, aí então o relator no órgão especial faz um voto, pede pauta, agenda-se a sessão. Algum desembargador pode pedir vista no caminho. Haverá recesso no tribunal de 20 de dezembro a 6 de janeiro. O recebimento da denúncia pode não ser julgado em 2020. Como o caso corre em sigilo, o Tribunal de Justiça não deu estimativa de quando ocorrerá a apreciação. “Somente as partes envolvidas têm acesso ao andamento e às decisões proferidas”, resumiu a assessoria da corte.
Muito tumulto permeia a condução da investigação. Em junho, Flavio Bolsonaro usou seu direito ao foro privilegiado – ele era deputado estadual à época dos acontecimentos – e solicitou que o caso fosse para a segunda instância judicial. Na primeira, a condução era do juiz Flávio Itabaiana – que mandou prender Queiroz e a mulher e estava na mira da família do presidente Bolsonaro por causa de decisões desfavoráveis ao senador. Mas a transferência para a segunda instância não necessariamente será motivo de alívio presidencial. O relator do caso no órgão especial é o desembargador Milton Fernandes, que foi presidente do Tribunal de Justiça e é considerado duro e sem apetite político.
Com a mudança de foro, a investigação passou a ser atribuição, da parte do Ministério Público, do procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem. Flavio Bolsonaro questionou a troca de promotores no Conselho Nacional do Ministério Público. Foi acusado por Gussem, em ofício, de tentar criar obstáculos à investigação.
Em dezembro acaba o mandato de Gussem, e haverá eleição para a Procuradoria-Geral de Justiça do Rio. Com o afastamento do governador Wilson Witzel (PSC), a escolha do vencedor da lista tríplice caberá ao interino, Cláudio Castro (PSC), até agora mais afinado com Bolsonaro que o antecessor, seu desafeto.
A ação pode sofrer nova reviravolta. Está na mesa do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o pedido do Ministério Público para o caso voltar à primeira instância.
Politicamente, adversários esperam que a denúncia às vésperas da eleição municipal traga prejuízos ao clã presidencial. Patinando nas pesquisas, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) recebeu apoio de Bolsonaro à sua reeleição. Eleitores indecisos podem agora migrar de vez para Eduardo Paes (DEM), avaliam oponentes. “Os candidatos da família já não estavam bem. A denúncia contra o Flavio é muito dura, isso cria um ar de derrota”, disse Marcelo Freixo (PSOL).
Deputados do Centrão, no entanto, avaliam que as investigações já são de conhecimento do eleitorado, e a denúncia em si não altera o quadro. A pendência dos Bolsonaro na Justiça, esta sim, causa embaraços: quanto mais encurralado, mais dependente da velha política fica o presidente, afirmou um parlamentar. Com o filho na berlinda, Bolsonaro fica mais propenso a ceder a interesses corporativos do Judiciário e ao toma lá dá cá no Congresso.