Nesta segunda-feira, dia 9 de janeiro, assim que os primeiros raios de Sol iluminaram a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a magnitude dos estragos causados pelos ataques golpistas do último domingo se tornou ainda mais evidente. Mesmo de longe, a quantidade enorme de lixo, destroços e pertences deixados para trás chamava a atenção. Garrafas de água, cartazes, vassouras, rodos, bandeiras do Brasil, máscaras, bolsas, embalagens de comida, pedaços de madeira e metal, balas de borracha e cápsulas de bomba de efeito moral se amontoavam no gramado e nas faixas largas de asfalto que conduziram os manifestantes bolsonaristas para as três instituições atacadas: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.
Garis do Serviço de Limpeza Urbana iniciaram o trabalho de recuperação por volta das sete da manhã. Nos arredores do Congresso, alguns deles recolhiam detritos com pegadores de ferro. Outros juntavam estilhaços das janelas quebradas. Perto da rampa, por onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou no Congresso sete dias antes do ato terrorista para jurar a Constituição, podia-se ver uma parede pichada com a palavra “intervenção”. A sala do Comitê de Imprensa, que fica na lateral direita do prédio, estava totalmente destruída. Sem as vidraças, havia computadores danificados, mesas reviradas e papéis espalhados por toda parte.
Também no piso térreo, o gabinete que abriga a liderança do PT na Câmara dos Deputados se encontrava igualmente em frangalhos. Inúmeros quadros que exibiam fotos de Lula com apoiadores foram quebrados. Fragmentos de persianas se acumulavam no chão. Uma poltrona estava inteiramente queimada. Ao lado dela, uma cadeira de praia exibia manchas de sangue.
“Isso é um prejuízo gigantesco para todos nós. A polícia foi lenta demais. A multidão veio lá do acampamento na maior tranquilidade, e os policiais não evitaram o pior porque não quiseram”, disse uma das mulheres que limpavam a área. Ela preferiu não se identificar por temer represálias. “É um absurdo o que aconteceu aqui”, continuou. “Espero que os manifestantes sejam presos e que os financiadores dos atos sejam punidos.” Logo depois de dar entrevista, a mulher precisou se retirar de onde estava porque a perícia ainda não tinha examinado o local.
Em razão dos estragos, não houve expediente na Câmara. “Cheguei no horário de sempre e me mandaram voltar para casa”, contou o mensageiro Clisma Cleiton Albuquerque, de 40 anos. “O que aconteceu já estava escrito. Não tem prevenção, dá nisso mesmo… Está tudo quebrado lá dentro, a coisa está feia.” Apenas restauradores, carregadores, faxineiros e o pessoal da manutenção foram autorizados a entrar. “Vou ter muito trabalho hoje”, reclamou uma das restauradoras.
No Senado, onde os golpistas invadiram o plenário e tiraram fotos na mesa diretora, a devastação era semelhante. As mangueiras de incêndio, desenroladas, foram usadas para encharcar o carpete. O mural de vidro preto que recobre boa parte da parede do Salão Azul estava quebrado, assim como as vidraças de portas e janelas. Os manifestantes também não pouparam as esteiras de raio X, os detectores de metais e os extintores de incêndio. A entrada do gabinete da Presidência da Casa ficou destruída. Ao passar ali em frente, um restaurador que trabalha na Câmara lamentou o prejuízo. “Está vendo aquele móvel? Pelo estilo, é de 1926”, afirmou, apontando para uma mesa de madeira escura totalmente depredada. “Esse tipo de peça veio do Rio de Janeiro, quando a capital do Brasil mudou.” Perto da mesa, arquivos, fotos, cadernos e outros objetos se espalhavam pelo chão, misturados aos estilhaços de vidro.
No Museu do Senado, vários presentes e obras de arte dados por delegações estrangeiras foram danificados ou saqueados. De luvas, restauradores vasculhavam os destroços na esperança de salvar alguns itens. Entre outros objetos, encontraram uma escultura de madeira doada pelo governo de Angola. A peça, que representa uma mulher, estava avariada em três pontos.
Pelo menos quatro retratos de presidentes do Senado, cedidos pelo artista plástico Urbano Villela, foram depredados: os de José Sarney, Renan Calheiros (em seus dois mandatos) e Ramez Tebet, pai da ministra do Planejamento e Orçamento Simone Tebet. No mesmo salão onde ficavam os quadros, os golpistas atacaram um grande painel vermelho de Athos Bulcão. Repará-lo será uma tarefa caríssima. Segundo funcionários do museu, cada 20 mililitros da tinta utilizada para o restauro custa em torno de 800 reais.
No Palácio do Planalto, os bolsonaristas não conseguiram invadir o gabinete do Presidente da República. Em compensação, destruíram muita coisa no piso térreo e no Salão Nobre, localizado no segundo andar. Cadeiras usadas ao longo da semana passada nas posses de ministros como Marina Silva, Geraldo Alckmin e Simone Tebet foram arremessadas diante do palácio. Algumas estavam dentro do espelho d’água, junto de garrafas, pedaços de papel, cartazes com dizeres golpistas, projéteis e estilhaços de vidro. Parte das pedras portuguesas que compõem o piso externo da sede do Executivo foi retirada e serviu de munição para o apedrejamento de policiais e dos prédios públicos.
No térreo do Planalto, onde todos os vidros da lateral esquerda estavam quebrados, havia pedaços de metal utilizados durante a ação de vandalismo, alguns oriundos de barreiras de estacionamento. Um espesso pó amarelo, saído dos extintores que os terroristas esvaziaram, tomava parte do piso. Outra parte estava encharcada pela água das mangueiras de incêndio acionadas por manifestantes. Computadores, crachás e documentos usados no controle de acesso ao palácio foram jogados no chão. Nenhuma mobília do térreo passou incólume.
A tela As Mulatas, do pintor carioca Di Cavalcanti, avaliada em mais de 8 milhões de reais, apresentava sete rasgos, de diferentes tamanhos. Outras peças valiosas sofreram danos, como um relógio de pêndulo do século XVII que a corte francesa deu para dom João VI. A mesa de Juscelino Kubitschek fez as vezes de barricada. A galeria com fotos de todos os presidentes do Brasil desde o início da República não existe mais, uma vez que os golpistas arrancaram os retratos da parede. As imagens de Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso estavam “decapitadas”. As de Lula e Jair Bolsonaro não eram visíveis em meio aos escombros.
“É muito chocante encontrar o Planalto assim. Estou desolada”, disse, com lágrimas nos olhos, uma servidora que trabalha no palácio há dez anos. Outro servidor comentou: “Na semana passada, participamos de várias cerimônias aqui. É estranho imaginar que o ataque poderia ter acontecido enquanto a gente trabalhava.”
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o edifício que sedia o Supremo Tribunal Federal também amargou vandalismo. Os manifestantes depredaram o plenário e reviraram toda a mobília. Nem as cadeiras dos ministros escaparam. Retirado da parede, o Brasão da República foi colocado sobre uma poltrona. Bolsonaristas posaram junto dele em fotos e vídeos que disseminaram pelas redes sociais. Como no Congresso e no Planalto, as vidraças do Supremo se transformaram em alvos preferenciais dos baderneiros, que as estilhaçaram sem piedade.
___________________________________________________________* Com a colaboração de Luigi Mazza.