A checagem da edição de março da piauí demandou o manuseio de muitas tabelas – de mensagens trocadas entre os procuradores da Lava Jato a dados do Brasileirão. Para alcançar o estado mental que a análise de tabelas requer, a equipe geralmente recorre ao álbum Selected Ambient Works 85-92, de Aphex Twin – algo introspectivo, mas que mantém os olhos bem abertos. No mês de fevereiro, porém, Caroline Polachek lançou uma reedição de seu álbum Desire, I Want To Turn Into You bem a tempo do fechamento da edição. A análise de tabelas se tornou muito mais agradável ao som das imagens insulares e vulcânicas de suas canções.
Nascida em Nova York, Polachek está na cena musical há mais de dezoito anos. Ela começou como metade do duo de pop eletrônico Chairlift, fundado em 2005 e extinto em 2017. Em 2019, aos 34 anos, reiniciou sua carreira com seu primeiro disco solo. Pang – um bom álbum de art-pop – já antecipava as qualidades de Desire…, cuja primeira versão foi lançada em fevereiro de 2023. Sucesso de público e crítica, o conjunto de doze faixas explora o desejo como força motriz da transformação em composições pop refinadas e ecléticas. As vocalizações de inversão (“vocal flipping”) são a marca registrada de Polachek, que compõe e produz as próprias músicas. Surpreendentemente versátil em termos de extensão e controle, ela é capaz de transitar entre diferentes registros, saindo de tons suaves e etéreos até alcançar interpretações mais poderosas. Polachek usa a voz como um instrumento e consegue emitir sons que parecem terem sido manipulados – sua técnica vocal remete à influência das já consagradas Kate Bush, Björk e Imogen Heap.
A nova versão do álbum acrescenta mais oito faixas a um conjunto já deslumbrante, com destaque para as canções Dang, um batidão dançante, Spring Is Coming With A Strawberry In The Mouth, e a frenética Coma. O álbum é uma das melhores produções da música pop atual, com canções que podem ser apreciadas tanto com bons fones de ouvido, enquanto se analisa tabelas de Excel, quanto na pista de dança.