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Deu no celular

Fim do lulismo, campanha via smartphone e a era da desinformação

José Roberto de Toledo | 18 out 2018_10h31
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Ele não acabou, mas entrou para a lista de animais políticos em extinção, junto com caciques do MDB, tucanos de bico longo e pigmeus partidários. O lulismo comandou uma das duas bandas da política brasileira por três décadas. Na metade mais recente desse tempo, regeu a banda majoritária e vencedora nas urnas. Não mais. Sua hegemonia está marcada para acabar, segundo Ibope e Datafolha, em 28 de outubro. Dia histórico por marcar o fim de uma era – e pelo início de uma guerra sucessória na esquerda.

Com a previsível assunção ao poder de Bolsonaro, Lula, a maior liderança eleitoral da curta experiência democrática brasileira, terá chances remotas de sair da cadeia em tempo de voltar a influir decisivamente em outra sucessão presidencial. Preso, não conseguiu lacrar a campanha em curso como havia lacrado as quatro anteriores. Não empurrou Haddad com a força que empurrara Dilma. Levou seu candidato ao segundo turno barrando Ciro e, assim, engordou a fila de ex-aliados ressentidos que tem Marina, já teve Eduardo Campos, e incorporou, agora, os Gomes.

O petismo tentará ocupar o lugar do lulismo e liderar a oposição a Bolsonaro. Tem bagagem, mas falta-lhe unidade para carregá-la. Tem marca, mas precisará de nova estratégia para projetá-la.

Pode-se argumentar com números que o petismo, mais do que o lulismo, levou Haddad aonde ele está. Para o bem e para o mal.

Haddad converteu sete de cada dez simpatizantes petistas em eleitores seus, segundo a última pesquisa do Ibope antes do primeiro turno. Coincidentemente, eles foram responsáveis por 69% de seus votos. No segundo turno, converte 88% deles.

Não há como replicar a conta com os lulistas porque eles pararam de ser medidos pelas pesquisas quando a Justiça Eleitoral indeferiu a candidatura de Lula. Porém, na pesquisa de 19 de agosto, Lula marcou 37% dos votos totais, percentual que Haddad nunca chegou perto no primeiro turno: seu pico foi 22%. Só foi conquistar os 15 pontos que lhe faltavam de lulistas no segundo turno, quando os eleitores só podem optar entre dois nomes.

Na ausência de Lula, o petismo tornou-se, a um só tempo, o patamar mínimo e o teto limitante do presidenciável do partido. Graças à comunicação descentralizada, instantânea e em rede dos smartphones, os simpatizantes do PT se transformaram em eleitores de Haddad assim que Lula caiu fora da disputa. Tão rápido que deu a impressão de que ele poderia encostar no líder. Mas a campanha antipetista bem cronometrada de Bolsonaro nas duas últimas semanas do primeiro turno secaram o manancial de simpatizantes do PT onde o adversário bebia para crescer.

De 29% de eleitores que se declaravam petistas até 18 de setembro, só restam 22%. No mesmo período, o estoque de antipetistas – eleitores que não votariam no PT de jeito nenhum – pulou de 30% para 42% em vinte dias, algo sem precedente entre os outros 34 partidos que disputaram estas eleições.

Dada a falta de tempo de propaganda de tevê de Bolsonaro, pode-se creditar essa bem-sucedida guerrilha antipetista a mídias antissociais, em especial ao WhatsApp. Segundo reportagem de Patrícia Campos Mello, na Folha, empresários bancaram o disparo automatizado de centenas de milhões de mensagens contra o PT para os telefones celulares dos eleitores na reta final da eleição. A lei eleitoral proíbe a doação empresarial, mas, a esta altura, nada conseguirá reverter os efeitos já obtidos.

Pode ser acaso, mas, segundo a mais recente pesquisa Ibope, a rejeição ao PT é duas vezes maior entre eleitores que têm telefone (44%) do que entre quem não tem (21%). A diferença se repete entre os com acesso à internet (47% rejeitam o PT) e os sem (apenas 26% não votariam no PT de jeito nenhum).

Desinformação, campanha negativa e boatos protagonizaram todas as eleições presidenciais, alavancadas por praticamente todos os partidos, inclusive o PT. Os meios variavam: dos microfones de pastores neopentecostais a notícias de jornal, passando pela própria propaganda eleitoral no rádio e na tevê. A diferença é que nenhuma dessas mídias ocupa tanto tempo e toma tanta atenção do eleitor quanto o celular. Os smartphones têm a capacidade de criar dependência nos usuários deflagrando um processo bioquímico que libera doses de dopamina a cada toque na tela.

A superexposição ao ruído sem sentido da campanha eleitoral nas mídias sociais produz uma sobrecarga no sistema cognitivo. A resposta do cérebro é desligar o lento e analítico Sistema 2 (como foi batizado por Daniel Kahneman em Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar) e deixar toda a intermediação com o celular a cargo do apressado e intuitivo Sistema 1. O resultado é a incapacidade generalizada de discernir notícias falsas de notícias verdadeiras, mexerico de informação. Caos.

O volume de boatos e falsidades é fundamental para o êxito desse tipo de campanha. Quanto mais, melhor para os boateiros. O único meio capaz de produzir a quantidade necessária de ruído para criar uma dissonância social significativa é o objeto que captura os olhos do usuários centenas de vezes por dia, por horas e horas a fio, e está com ele a todo momento: o celular.

Entre as eleições de 2014 e 2018, a maior revolução por que passou o Brasil não foi o impeachment nem a derrocada do PT. A despeito da maior recessão da sua história, a quantidade de smartphones multiplicou-se a ponto de haver mais de um por habitante. Segundo a 29ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação, da FGV-SP, são 220 milhões de celulares inteligentes para 208 milhões de brasileiros.

Todos tentaram, mas nenhum outro grupo político soube tirar mais proveito da universalização dos smartphones entres os eleitores do Brasil do que Bolsonaro e companhia. Eles não inventaram a era da desinformação, mas são seus maiores beneficiários.

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