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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

questões explosivas

Deu zika no caixa

PCC transmite técnica de explodir caixas eletrônicos sem inutilizar as cédulas e detona epidemia de ataques a bomba no Rio

Tiago Coelho | 14 jun 2018_10h42
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Seis criminosos invadiram uma fábrica da Volkswagen em Resende, no Sul Fluminense, atrás de dois caixas eletrônicos de onde os funcionários sacariam os seus salários. Os bandidos chegaram em carros blindados, encapuzados e de luvas, munidos de fuzis. Eles sabiam que as máquinas haviam sido recém-abastecidas para os pagamentos no início do mês. Foram precisos: renderam os vigias e explodiram os caixas com uma quantidade calculada de TNT.

Evitaram assim que as cédulas fossem danificadas e manchadas de tinta cor-de-rosa, parte do dispositivo de segurança das máquinas. Nesse dia, os ladrões levaram entre 60 e 80 mil reais – que depois seriam reinvestidos na compra de armas ou de drogas na fronteira com o Paraguai, para abastecer o estado do Rio.

Era 2 de agosto de 2016 e começava ali uma onda de ataques a caixas eletrônicos que virou epidemia no Rio de Janeiro. De 2015 a 2017, os assaltos explosivos se multiplicaram de 33 para 60 por ano, segundo dados do Instituto de Segurança Pública. O vetor foi um processo de difusão cultural do crime. O PCC aprimorou a técnica de explodir sem tingir ao longo de dez anos e propagou-a, primeiro na fronteira sul do Rio de Janeiro, depois na capital fluminense.

Uma das características dos ataques é a existência de funções bem demarcadas: há motoristas, olheiros e explosivistas. O TNT, cujo uso é autorizado apenas pelo Exército, é desviado de pedreiras por funcionários ou de roubos a mineradoras. Informantes são cooptados nos locais do roubo, com a responsabilidade de avisarem quando a máquina for abastecida, para evitar um bote em um caixa magro.

Explosões a caixas eletrônicos se multiplicaram durante a crise econômica, quando há retração no consumo de drogas, e o tráfico precisa buscar outras formas de lucro. Foram 25 casos nos primeiros quatro meses deste ano. Nesse ritmo, 2018 pode terminar com 100 ataques explosivos no estado do Rio, praticamente o dobro dos 51 roubos a caixas eletrônicos usando essa técnica registrados em 2016, por exemplo.

Em maio, no bairro de Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, criminosos explodiram caixas eletrônicos em três agências bancárias em apenas dezoito dias. O curto intervalo de tempo entre as ocorrências chamou a atenção e virou notícia. Mas esse tipo de crime já é mapeado há dois anos pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio, órgão que descobriu o intercâmbio de conhecimentos entre o PCC e as quadrilhas do Rio.

A precisão dos crimes foi o que levantou a suspeita. “Havia gente de dentro e explosivistas, o que também ocorria em São Paulo. A partir daí, constatamos uma grande colaboração entre os criminosos das diferentes facções. Esse conhecimento técnico, agora dominado pelas principais quadrilhas do Rio, é o que permite uma multiplicação das ações no Estado”, disse o promotor Fabiano Cossermelli, do Gaeco, que investiga o caso de Resende e de outros municípios.

As características dos crimes são semelhantes, na capital ou no interior, e elas se espalham por difusão de conhecimentos, segundo o promotor. A investigação do roubo da fábrica da Volkswagen, por exemplo, revelou uma rede que cometia o mesmo crime em cidades vizinhas. Trinta e quatro bandidos foram identificados, vinte dos quais dedicados exclusivamente a roubos de caixa eletrônico. “Quando falamos em caixa eletrônico falamos de grande quantidade de dinheiro. É para investimentos pesados no tráfico, não só a compra de drogas, mas também de fuzis”, disse Cossermelli. “Essas grandes aquisições são feitas por pagamento antecipado, geralmente com dinheiro vivo.”

 

O plano começa um mês antes e conta com criminosos associados ao tráfico, bandidos que só atuam com roubos de caixas e mão de obra contratada na cidade do crime. Assim a quadrilha fica descentralizada, o que dificulta o rastreamento e permite conhecimento mais aprofundado do território.

Os responsáveis por calcular a quantidade do dinamite são os explosiveiros – como os modelos variam entre as instituições financeiras, há quantias específicas do dinamite para cada um deles. Há também diferentes mecanismos para dificultar os roubos. O mais conhecido é o que tinge as notas com tinta, acionado pelo calor das explosões. O papel do explosiveiro é aferir corretamente o artefato para evitar a invalidação das cédulas. As investigações constataram, mais de uma vez, uma mesma quantidade de explosivo para máquinas de um mesmo banco, o que confirma o conhecimento técnico das quadrilhas, segundo o Gaeco.

Com o explosivo em mãos, os criminosos chegam ao local do roubo, geralmente de madrugada, em grupos de cinco a dez. Um olheiro que fica do lado de fora é o responsável por espalhar os “miguelitos”, arames retorcidos e pontiagudos que atrapalham a chegada da polícia. O grupo usa blindados, geralmente roubados e destruídos depois de uma única ação.

A percepção de que há um risco mais baixo nesse tipo de ação do que a atividade diária do tráfico estimula o crime, segundo o promotor Cossermelli. “Nas conversas que rastreamos entre os criminosos eles falavam nesse sentido. Além dos mortos em confronto com a polícia, há as baixas com a apreensão das drogas. Isso representa um custo alto à economia do tráfico. Nos roubos a caixas há menos chances de confrontos, menos tempo gasto e grande retorno financeiro.”

 

Em 2008, quando o Ministério Público de São Paulo começou a rastrear a evolução das explosões a caixas eletrônicos, esse tipo de crime era feito de modo quase artesanal, com alto índice de invalidação das cédulas dos caixas destruídos. De lá para cá, segundo um integrante do Gaeco paulista que preferiu não se identificar, a prática foi sistematizada, antes de ser exportada. “Começamos a verificar participação de ex-militares brasileiros e estrangeiros, que contribuíram para refinar a modalidade de roubo”, disse o integrante do Gaeco de São Paulo. “As ações ficaram mais ousadas, maiores e melhor organizadas, com gente de dentro. Observamos até hoje um treinamento militar, principalmente no manejo dos explosivos.”

Nos últimos tempos, as organizações criminosas passaram a atrair também motoristas de empresas de transporte de valores, relata o funcionário do Gaeco. Num grande roubo à Prosegur, em Ribeirão Preto, por exemplo, quem liderava o bando era um ex-motorista, responsável por atualizar as quadrilhas sobre as estratégias de segurança de valores.

As práticas descritas pelo integrante do Gaeco paulista são as mesmas que passaram a aparecer no Rio: desvio de artefatos de mineradoras, cooptação de explosivistas e roubo de blindados. “Em São Paulo, os bandidos fazem financiamento de carros blindados que depois não pagam, obviamente”, disse o funcionário. “Alugam imóveis perto do lugar do roubo para estudar rotas de fuga. Em cidades menores as quadrilhas conhecem a rotina dos policiais locais, um contingente que costuma ser pequeno.”

Em São Paulo, o ápice de roubos a caixas eletrônicos ocorreu em 2013, com a acentuação da crise econômica, segundo o integrante do Ministério Público paulista. “Coincidiu também com uma queda no consumo. Como eles têm de pagar antecipadamente por grandes quantidades de drogas, o dinheiro roubado dos caixas repõe esse prejuízo”, disse o integrante do Gaeco paulista. Seu colega do MP do Rio complementa: “Com esses crimes eles buscam repor o que perderam com apreensões. O crescimento desses roubos é também um efeito do combate ao tráfico”, acredita Cossermelli.

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