O movimento , que defende a pesquisa feita com tempo para pensar e digerir os resultados, sem afobação e longe da pressão para publicar a qualquer preço, voltou a agitar a internet na última semana. A iniciativa foi tema de textos provocadores e ganhou, na França, uma petição on-line que já levantou cerca de mil adesões.
O manifesto Slow Science – ‘ciência lenta’, em tradução literal – foi publicado on-line em 2010 por um grupo de pesquisadores alemães, inspirado em iniciativas similares surgidas em outros domínios. A mais notória delas é a slow food, que prega a fruição demorada de alimentos preparados com esmero, com ingredientes orgânicos e produzidos localmente, em contraponto às refeições ligeiras e produzidas em escala e ritmo industrial nas grandes cadeias de lanchonetes.
Aplicada à ciência, essa filosofia se traduz essencialmente em fazer pesquisa com tempo para pensar, experimentar e quebrar a cara, se for o caso. Tudo num ritmo bem distante da rotina frenética de publicação na internet. “Somos cientistas”, diz o início do manifesto. “Não blogamos. Não tuitamos. Tomamos nosso tempo.” Apesar dessa recusa das redes sociais, o movimento admite que os blogs e todo o aparato de comunicação da ciência fazem parte do jogo e até criou uma página no Facebook. Diz o manifesto:
“Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Precisamos de tempo para discordar uns dos outros, especialmente ao promover o diálogo perdido entre as humanidades e as ciências naturais. Não podemos afirmar de forma contínua o que quer dizer ou para que servirá a nossa ciência, simplesmente porque ainda não sabemos. A ciência precisa de tempo.”
A valorização da produtividade dos pesquisadores medida pelo número de artigos que eles publicam (tema já discutido no blog) é um dos principais focos de crítica da . É preciso privilegiar a qualidade em relação à quantidade, como defende a carta de intenções da versão francesa do movimento, que ganhou página própria no fim de julho.
O manifesto ganhou visibilidade esta semana depois que foi citado pelo jornalista John Horgan, titular de um blog da Scientific American que trata novidades da ciência de forma mordaz. “Parte de mim quer aplaudir os apelos pela desaceleração da ciência”, disse ele no post dedicado ao manifesto. “Afinal, muitas – se não a maioria – das afirmações da ciência acabam se mostrando erradas.”
Ao fim do texto, ele revelou, irônico, por que está com um pé atrás em relação à : “Temo que, se de fato os cientistas desacelerarem e começarem a publicar apenas dados de alta qualidade e teorias que passaram por duas ou três checagens, não terei mais nada sobre o que escrever.”
O post de Horgan motivou uma reflexão instigante de Rebecca Rosen, editora associada da revista The Atlantic. Talvez não se trate apenas de um problema de tempo, segundo sua análise. De nada adianta desacelerar a ciência se não forem corrigidos os problemas que existem nos modelos de financiamento, avaliação e divulgação das pesquisas. “Essas razões são sistêmicas”, disse ela, “e um cientista que seguir os conselhos do manifesto corre o risco de frear apenas a sua própria carreira, sem modificar as causas subjacentes”.
A solução talvez esteja num caminho do meio, como sugeriu a pesquisadora Ivana Bentes, diretora da Escola da Comunicação da UFRJ. “Slow e fast têm diferentes encantos”, disse ela, ao comentar o tema no Facebook. Ela apontou a necessidade de uma contraproposta para o manifesto e deu uma sugestão: “o negócio é criar um ambiente de Estudos Avançados do Tempo Distendido e do Tempo Comprimido”.
Diferentes disciplinas, acrescentou Ivana, exigem diferentes tempos de pesquisa, e a intervenção no presente não pode ser deixada de lado. “A falta de ‘urgência’ e a ideia de uma produção de conhecimento ‘a longo prazo’, sem intervenção e preocupação política, me parecem uma demissão em relação ao presente”, afirmou ela numa mensagem eletrônica. “O que enfatizo e defendo é, ao lado dos diferentes tempos e da , o ‘teoriativismo’ para não cairmos no tédio e indiferença da erudição.”
[Post atualizado às 14:58 para a inclusão dos dois últimos parágrafos]
(foto: William Warby – CC 2.0 BY)