Para mim, passados dez anos, continua cedo para falar do Coutinho e dos filmes que ele fez, sem pensar nas circunstâncias da sua morte. Mas, essa talvez seja a única forma de lidar com a tragédia e de manter viva a lembrança dele.
As gravações das conversas de Coutinho eram demarcadas por um antirromantismo radical. O pressuposto da relação que ele buscava estabelecer era a brevidade. Como para o poeta dos Tableaux parisiens no famoso soneto comentado por Walter Benjamin, para Coutinho “o momento do encantamento coincide com a despedida para sempre”. A exceção foi Elizabeth Teixeira, com quem manteve contato esporádico durante cinco décadas, desde que a conheceu em 1962.
Na tarde de sua última quinta-feira, por exemplo, falou com veemência incomum do seu medo, da utilização dos cadáveres e dos mártires pela esquerda e pela direita, da sua prisão no Recife com a qual sonhou durante anos, do regime de terror instaurado na Paraíba e em Pernambuco depois do golpe de 1964, do assassinato de um filho de Elizabeth Teixeira, morto por um irmão diante dela.
Meses antes, fora profético ao dizer que seu ideal era “morrer no meio de um filme”. Sonhava “fazer filmes inacabados”, declarou.
Texto extraído da versão completa, revista e atualizada, de Encontro Amoroso, comunicação de abertura feita em 6 de março de 2015, na mesa-redonda “Listening and Seeing: An Homage to Eduardo Coutinho”, na Universidade de Princeton, promovida pelo Programa de Estudos Latino-Americanos, dirigido por Pedro Meira Monteiro. Publicada aqui, originalmente, em 9 e 16 de março de 2015 e, na versão atualizada, em 01 de fevereiro de 2019.