A pequena sala do Estação Botafogo 3, no Rio, com 66 lugares, estava cheia na única sessão de domingo (13/3/2016), para assistir a Diplomacia, de Volker Schlöndorff. Em cartaz desde janeiro, o filme, que é um primor, chega ao circuito com dois anos de atraso.
Na essência, trata-se de uma aula de dissimulação. Os bons propósitos do cônsul sueco Raoul Nordling (André Dussollier) para evitar a destruição de Paris, ordenada por Adolf Hitler em agosto de 1944, deixam claro que espionar, omitir, enganar e mentir são considerados recursos legítimos em nome de uma causa virtuosa.
O general nazista Dietrich von Choltitz, de seu lado, é franco e honesto. Ele recebeu uma missão e seu código de conduta impõe que ela seja efetivada. Para convencê-lo a cancelar a demolição da cidade, o diplomata encobre sua tática e o alcance dos seus propósitos, enquanto o militar nazista nada tem a esconder.
Dificilmente alguém duvidará dos méritos do intento de Nordling – evitar a implosão de Paris, inclusive de marcos históricos da cidade, entre outros, a Torre Eiffel, o Louvre, a Praça da Concórdia e a catedral de Notre-Dame. As imagens de arquivo na abertura de Diplomacia são eloquentes. Mostram Varsóvia destruída depois de ter sido evacuada pela Alemanha. Ao mesmo tempo, o espectador perceberá que para alcançar objetivos notáveis, não é bem definido o limite além do qual não é possível ir.
Após carreira, iniciada ainda jovem, em 1966, durante a qual adaptou obras de grandes autores – Musil, Brecht, Grass, Proust –, realizando filmes complexos, um dos quais – O tambor – que lhe valeu a Palma de Ouro, no Festival de Cannes de 1979, e o Oscar de melhor filme em língua estrangeira em 1980, Schlöndorff faz agora com maestria um filme de câmara. Na maturidade dos seus mais de 70 anos, preserva a unidade de espaço e tempo próprias da origem teatral do roteiro, sem qualquer prejuízo para o resultado na tela. E talvez para evitar visões preconceituosas que considerassem Diplomacia mero teatro filmado, guarda para o final a legenda esclarecendo que trata-se da adaptação da peça teatral homônima do jovem escritor Cyril Gely, co-autor também do roteiro.
Durante as negociações sobre a Bósnia, o diplomata* britânico Christopher Hill descreveu Holbrook assim: “Ele desestabiliza o interlocutor. Não mostra suas cartas. Faz você pensar que precisa fazer o acordo com ele, mas que ele pode não ser capaz de conseguir o acordo da outra parte. Ele usa humor. Ele faz uma expressão dispéptica que induz a perguntar ‘o que é?’, e ele dirá, “Estou preocupado. Não sei de vai dar certo’. Ele usa todas essas ações performáticas para alcançar suas metas.” É desse modo que Nordling age em Diplomacia.
A lamentar o fato de que Schlöndorff não tenha podido fazer o filme sobre o livro To End a War (Para acabar uma guerra), de Richard Holbrooke, no qual trabalhou com o autor. Trataria das negociações com Slobodan Milosevic para chegar ao acordo de Dayton, relativo à paz na Bosnia e na Herzegovina. Nas palavras de Schlöndorff, Holbrooke era um diplomata cruel que usuaria todos os meios.” Os recursos necessários para a produção do filme foram negados sob alegação de que “ninguém tem interesse pela Iugoslávia”. Êta mundo!
*A primeira versão do texto atribuía erroneamente a frase ao historiador Christopher Hill, homônimo do diplomata Christopher Hill, que é quem realmente deu a declaração.