São Paulo é solidão. Lava que cobre tudo. Atravessar a ponte sobre o rio Pinheiros a pé, existe algo mais desolador que isso? Entre o barulho e a fumaça, expectorados pelos caminhões e ônibus, nos sentimos ali quase como náufragos, caminhando sobre o rio. Cônscios de nossa carne, da nossa organicidade, como o náufrago, depois que aspira o ar, abraçado a areia, redivivo, percebe a mínima pulsação do sangue em toda sua capilaridade pelo organismo, o batimento da vida. Olhando para baixo, podemos ver o rio que não corre mais. Antes piscoso, agora viscoso. Estagnado, aquela estagnação do hospital, da penitenciária, dos asilos. Nunca entendi porque ele aparecia azul nos mapas.
E eu ali em cima, com um esganado, querendo retirar beleza daquilo. Pode haver alguma beleza nisso? O rio que aparece azul é a Portela, levando o coração de Paulinho da Viola.
Mas então, porque ele fala de sinal fechado? Onde o trânsito sufoca tudo, onde as coisas estancam, não é aqui, na ponte, em cima do rio Pinheiros? Será que Paulinho da Viola é um paulistano inconsciente? Porque, sinto muito, Sinal Fechado, é a cara de São Paulo.
Mas ele é do Rio de Janeiro, então qual direito ele tem de dizer “… solidão é lava, que cobre tudo, amargura em minha boca, sorri seus dentes de chumbo…”. Não é essa a paisagem que avisto da ponte, sobre o rio Pinheiros, como se um vulcão houvesse inundado de lava minha alma?
Então, qual direito ele tem, ele que é do Rio de Janeiro, qual direito ele tem de dizer isso? Por que, se ele fosse de São Paulo, eu ainda entenderia. Será ele, um paulistano inconsciente? Porque, pra fazer um samba sobre o suicídio, tem que ter alguma coisa da aridez de São Paulo no DNA. Poxa, isso é coisa de São Paulo, falar de suicídio. Como, morando naquela cidade maravilhosa, ele pode pensar em fazer um samba sobre o suicídio?
E ainda por cima, citando um samba do Chico Buarque…E quem vai falar de …ficar roendo as unhas pela madrugada? Parece coisa de punk paulista, fala a verdade!!
Eu é que fico roendo as unhas, aqui em cima da ponte do Rio Pinheiros, contemplando aquele rio que jamais se abre aos peixes, eu aqui, alma sem pluma, extraviado, esquecido do rio Tibagi, das rãs, de Ibiporã.