No dia 23 de novembro, o empresário Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, mais conhecido como Tutinha, que preside a rede Jovem Pan, anunciou em suas redes o seguinte feito, reproduzido aqui tal como foi escrito: “novo time dos pingos nos is, bate Record total do programa. 1.9 na Tv e 300 mil pelo digital.” O que o empresário quis dizer ao expor essa numeralha é que, no dia anterior, o programa Os Pingos nos Is, o de maior audiência de sua rede, havia superado a GloboNews na medição do Ibope – cada ponto equivale a cerca de 270 mil domicílios com televisores ligados nas quinze maiores capitais do país. Naquele dia, o canal do grupo Globo, primeiro em audiência entre os canais de notícias na tevê a cabo, havia permanecido em segundo lugar ao longo de toda a duração de Os Pingos nos Is. Os “300 mil pelo digital” correspondem à audiência que assistia ao programa ao vivo pelo YouTube e pelo Twitter.
Naquela data aparentemente tão próspera para a Jovem Pan, a emissora na verdade perdeu dinheiro. O YouTube deu início à desmonetização de todos os canais da rede, restringindo a publicidade por entender que os conteúdos da Jovem Pan violavam consistentemente as regras da plataforma de vídeos em quesitos como disseminação de desinformação e discurso de ódio. Com isso, a Jovem Pan não ganharia mais nada por meio de anúncios no YouTube, o que corresponde a mais de 20% de sua receita.
Dinamitar essa fonte de renda não estava nos planos de Tutinha, embora ele viesse patrocinando, por meio de seus canais, ataques constantes às instituições, pedidos de intervenção militar e outras tantas demandas golpistas desde a vitória de Lula nas eleições presidenciais. Todos esses argumentos ferem as diretrizes de comunidade do YouTube. E, embora a Jovem Pan tenha sido punida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por divulgar conteúdo falso, a direção da empresa não dava sinais de que desejava mudar seu comportamento. Mas a perspectiva de estrangulamento financeiro mudou o jogo.
Desde o primeiro dia de desmonetização, a rede passou a fazer um pente fino em todos os seus programas no YouTube. Primeiro, no dia 23, ocultou 79 vídeos. Depois, até o dia 29, foram 338, somando 417 vídeos que não estão mais disponíveis para visualização, segundo levantamento da Novelo Data. Isso corresponde a um percentual pequeno dos vídeos publicados pela emissora este ano (pouco mais de 1%), mas representa 90% do conteúdo ocultado em 2022. Até o final de novembro, um total de 457 vídeos haviam saído do ar nos canais Jovem Pan no YouTube.
A maior parte dos vídeos retirados é dos programas Os Pingos nos Is, Jovem Pan News e 3 em 1, em que comentaristas falam sobre política. Todos aqueles que foram ocultados expõem opiniões contra a confiabilidade das urnas eletrônicas, o sistema eleitoral, o TSE e questionam a vitória de Lula na eleição. Além do material retirado pela própria emissora, quatro vídeos da Jovem Pan haviam sido tirados do ar este ano, até novembro, por iniciativa do YouTube.
A intenção da rede ao ocultar o material, segundo fontes ouvidas pela piauí, é emitir um sinal de boa vontade diante do YouTube para negociar a retomada da monetização ao menos nos canais menos polêmicos, como os de esportes e os jornais. A emissora, contudo, vê-se diante de um impasse: mesmo retirando do ar os vídeos, o conteúdo produzido não baixou o tom, em razão da perda de audiência que a moderação pode acarretar. “Não há nenhuma força que o impeça de arregaçar com a democracia”, disse o comentarista Paulo Figueiredo, referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes, na terça-feira 29, seis dias após a desmonetização. Um dia antes, Figueiredo havia, durante o programa, defendido o apoio de militares da ativa a manifestantes golpistas que pedem intervenção das Forças Armadas nas portas dos quartéis.
Além da queda de receita promovida pelo YouTube, a Jovem Pan passou a enfrentar concorrência dentro da extrema direita, depois que vários de seus comentaristas, desligados nos últimos meses, criaram um canal na revista Oeste, uma publicação digital mantida pelo empresário Jairo Mendes Leal e pelos jornalistas José Roberto Guzzo e Augusto Nunes. Este último era o principal comentarista de Os Pingos Nos Is, mas foi afastado e depois demitido após descumprir determinações do TSE sobre desinformação durante as eleições. Cada infração era passível de multa de 100 mil reais por hora. Junto com Nunes, saíram alguns de seus companheiros de bancada na Jovem Pan, como os jornalistas Guilherme Fiúza e Cristina Graeml, e a ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel, o que suscitou críticas da audiência do canal, que desconfiou que os nomes haviam sido cortados porque atacavam o novo governo eleito, num sinal de que a emissora de Tutinha mudaria de lado. A adoção de um tom mais ameno foi até discutida pela direção, mas a estratégia não prosperou em razão do temor de que a “moderação” espantasse a audiência da tevê, prioritária depois da desmonetização no YouTube.
A Oeste estreou um canal no YouTube nos moldes de Os Pingos Nos Is, começando sempre quinze minutos antes da atração da Jovem Pan, no intuito de garantir que a audiência bolsonarista entrasse primeiro em seu canal. Na estreia, o programa chegou a bater o similar da Jovem Pan. Para tentar estancar os danos, Tutinha ordenou que seu programa passasse a ser exibido no YouTube a partir das 17h40, cinco minutos antes do concorrente, embora na tevê a cabo continue sendo exibido às 18 horas. No dia 29, houve um anúncio atípico: às 17h33, o apresentador do 3 em 1 sugeriu que os espectadores deixassem a atração e mudassem para Os Pingos Nos Is, no YouTube, canibalizando a audiência do próprio canal. Ordens do Tutinha.