A Bélgica está neste planeta? E os irmãos Dardenne, são deste mundo? A julgar por , a resposta às duas perguntas seria negativa. Autores do roteiro e diretores, Jean-Pierre e Luc Dardenne reafirmam sua crença no ensinamento bíblico que recomenda combater “o bom combate, mantendo fé e boa consciência”. Não é à toa que receberam o Prêmio Especial atribuído pelo júri ecumênico, integrado por cristãos, no Festival de Cannes do ano passado, e foram considerados favoritos para receber a Palma de Ouro pela imprensa bem pensante que faz a cobertura do Festival.
Marion Cotillard por si só, magnífica como Sandra, a personagem principal, não consegue situar no mundo real, nem dar ao filme sequer laivos de credibilidade. Os alicerces da narrativa são corroídos pela contradição entre o realismo da encenação e a jornada de Sandra em busca de uma demonstração de altruísmo inconcebível. A fragilidade da estrutura se agrava ainda mais em consequência do conflito entre o interesse pessoal que motiva a peregrinação e a redenção de Sandra graças à decisão ética que ela toma no final.
Em qual lugar do mundo, salvo em , um trabalhador abriria mão de um bônus salarial de mil euros para assegurar o emprego de uma colega? Embora relutante, Sandra cede à pressão que sofre e faz esse pedido inadmissível aos seus colegas, de porta em porta, durante o fim de semana. O que a leva à tentativa de suicídio, porém, não parece ser o constrangimento que causou, nem as brigas que provocou. É a impressão de ter fracassado que a leva ao ato de desespero.
A inconsistência da trama atinge o ápice quando Sandra subitamente se dá conta, na sequência final, que ela não tem o direito, em seu próprio benefício, de prejudicar um colega. A revelação desse princípio ético elementar, que para Sandra parece ter efeito curativo, livrando-a da depressão, ocorre não se sabe bem como. Terá ocorrido um milagre?