“É de manhã/ Vem o sol mais os pingos da chuva que ontem caiu/ Ainda estão a brilhar/ Ainda estão a cantar/ Ao vento alegre que me faz esta canção…” Estrada do sol: com estes versos Dolores Duran conquistou o maestro soberano e foi sua parceira. Sua primeira parceria com Antonio Carlos Jobim foi Se é por falta de adeus, em 1955, quando Tom estava ainda começando. Vieram outras duas. A mais conhecida, Por causa de você, tinha uma letra feita pelo Vinicius que, depois que viu a que Dolores fez, deixou a sua de lado.
Se é por falta de adeus, Tom Jobim, Dolores Duran, com João Gilberto
“Dolores Duran, grande compositora, grande amiga, minha parceira em algumas músicas, entre elas Por causa de você. Fiz essa melodia e Vinicius começou a escrever uma letra e eu fui à Rádio Nacional à tarde, que naquele tempo era o centro da música, de tudo, no Edifício A Noite, na praça Mauá. Numa sala, tinha um piano, e entre esses colegas, a nossa Dolores. Tirou um lápis de sobrancelha da bolsa, escreveu uma letra e me disse ‘Outra é covardia’. E Vinicius, que gostava muito dela, aceitou. Ficou a letra dela. Uma das melhores letras que já fizeram pra mim”, Antonio Carlos Jobim em Dolores Duran, A noite e as canções de uma mulher fascinante, de Rodrigo Faour
Por causa de você, Tom Jobim, Dolores Duran, com Dolores Duran
Gardez moi pour toujours, com Sylvia Telles
Don’t ever go away, com Frank Sinatra
Os amigos contam que Dolores não era triste. Tinha, sim, uma certa melancolia, mas era muito engraçada, irreverente, ousada. Que ousadia ter feito uma letra para uma canção que já tinha letra de Vinicius! Ela sabia o que queria. Cantora da noite carioca numa época iluminada, onde começava a nascer o que seria a Bossa Nova, momento de transição.
“Cantei pela primeira vez profissionalmente aos 18 anos em uma boate, o Vogue. Primeiro ordenado, cinco contos e 500 mil réis. Era crooner e cantava das 23 às 5 horas da manhã. Minha maior dificuldade era a adaptação ao novo horário de dormir. A primeira noite de trabalho foi um martírio: o sono chegou feio e forte. Andei errando muita coisa. Mas valeu a pena, quando, com o dia nascendo, saí do trabalho. Era uma manhã de verão com o sol já forte e a praia deserta. Tive muitas outras noites iguais, até consegui adaptar-me. Depois, comecei a ser procurada por outros empresários. Era o meu diploma de ‘vaga-lume’”, Dolores citada por Rodrigo Faour.
Adiléa da Silva Rocha, Dolores Duran nasceu e morreu na cidade do Rio de Janeiro (1930-1959). Morreu tão moça! Vinte e nove anos! E deixou uma obra tão brilhante e madura! Começou a cantar muito cedo, participou de programas de calouros e tornou-se uma das mais famosas cantoras da noite carioca nos anos 40 e 50. A compositora nasceu mais tarde e teve como parceiros, entre outros, Tom Jobim. Suas composições foram interpretadas por grandes cantores da música brasileira, como Sylvia Telles, Elisete Cardoso, Agostinho dos Santos, Nana Caymmi , Ângela Maria, Isaura Garcia, Maria Bethânia, Gal Costa, Lúcio Alves e também por Frank Sinatra e Ella Fritzgerald. Ela compôs apenas 36 canções, metade destas não é conhecida mas sua música foi e continua a ser muito cantada. Faz parte da nossa alma brasileira.
A noite do meu bem, Dolores Duran, com Dolores Duran
A noite do meu bem, com Nana Caymmi
Sobre seu modo de compor, Tom Jobim disse: “Dolores compunha os versos, mas não conhecia música. Entretanto, suas melodias eram sempre as mais belas, e se enquadravam perfeitamente às letras, numa harmonia extraordinária. Depois de escrever os versos, os musicava e guardava as melodias na memória, para mais tarde cantarolá-las, a fim de que o seu parceiro as pudesse escrever.”.
Apesar de ser cantora de samba-canção, a gente pode ver no seu jeito de cantar o prenúncio do canto cool, o canto bossa-nova, pela ausência de exageros sentimentais. Menos emocional que Maysa, mais que Sylvinha Telles. No entanto, se sua personalidade era irreverente, ela foi uma compositora e cantora que como poucas tratou das dores de amor e da solidão:
Solidão, Dolores Duran com Dolores Duran
Mas Dolores também tratou do amor de forma menos trágica, como em “Olha o tempo passando” e em “Idéias erradas”, traço de modernidade, que prenuncia uma libertação do romantismo:
Meus caros amigos, leitores e ouvintes, chegou a hora de me despedir e escolhi a Dolores para encerrar esta série de textos sobre música popular. Porque ela é uma grande artista, porque é uma mulher cantora e compositora, porque tem uma sensibilidade fina, porque é Dolores. Uma vez ela disse assim: “Quando o dia está claro, ensolarado, sinto uma alegria imensa de viver, saio caminhando pela praia, a pé, até minha casa. Quando o dia está feio e chuvoso, entretanto, sinto-me deprimida. A sensação de solidão é tão concreta que chamo o primeiro taxi que passa e corro para casa, em busca de mim mesma.” Dolores. Quero deixar no ar esta linda canção solar e sei que, em breve, em algum lugar, voltaremos a nos encontrar.
Estrada do Sol, Tom Jobim, Dolores Duran, com Tom Jobim e banda nova
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