Pesquisador visitante da Universidade de Nova York, o poeta e artista visual Ricardo Aleixo registrou, num diário feito para a piauí deste mês, os dias que precederam a eleição de Donald Trump para presidente.
“Vejo Donald Trump como uma couraça. Não a hipótese de uma pessoa, um ser humano, um homem sob uma couraça – para mim, ele, inteiro, é uma couraça”, ele escreve em 11 de outubro passado. “Tudo em Trump é hirto, rígido, travado. Não posso dizer que não gosto dele, porque ele nunca se dá a conhecer quando fala, isto é, quando vocifera. Talvez a melhor definição para ele seja: uma couraça que passa a ideia de que protege a população americana, que o idolatra, de seus próprios traumas e suas fantasias de grandeza.”
O poeta se impressiona com certa indiferença com a política. “Every vote matters (Todo voto conta), lê-se no display eletrônico situado acima da cabeça da jovem mulher sentada bem à minha frente”, ele anota em 18 de outubro. “Não sei se ela é daqui mesmo dos Estados Unidos, e se o voto – independente do país do qual terá vindo –, é assunto com o qual ela de fato se importe.”
Em 31 de outubro, chega o Halloween. “Achei bem chato”, escreve Aleixo. “Mas, pelo menos, não ouvi nem li aquela balela, mil vezes repetida no Brasil, de que ‘o Carnaval é político’, o ‘futebol é político’, qualquer merda rala ‘é política’ – menos a política, cada vez mais despolitizada no país do lulismo e de seu antípoda, o antipetismo.”
Em 5 de novembro, ocorrem as eleições presidenciais americanas. No dia seguinte, o poeta registra em seu diário: “Assistir tão de perto a vitória de Trump me traz sentimentos confusos e pensamentos sombrios. Ou seria o contrário? Algo em mim quer fugir, mas, para onde? Os trens barulhentos cumpriram muito bem sua função de assombrar a noite de ontem nesta parte do Brooklyn.”
No dia 7 de novembro, Aleixo conclui: “O cada vez mais necessário James Baldwin, em 1963, numa palestra sobre ‘a identidade americana’ para professores de escolas públicas de Nova York, antecipou o resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2024: ‘O que passa por identidade nos Estados Unidos é uma série de mitos sobre os ancestrais heroicos de cada um. É surpreendente para mim, por exemplo, que tantas pessoas realmente pareçam acreditar que o país foi fundado por um grupo de heróis que queriam ser livres. Acontece que isso não é verdade.’”
Assinantes da revista podem ler a íntegra do diário neste link.