Senador Vasconcelos é um bairro tão pequeno e discreto da Zona Oeste do Rio de Janeiro, que até moradores das vizinhanças só ligam o nome à estação do trem do ramal de Santa Cruz que fica entre as paradas de Santíssimo e de Campo Grande, a 51 km do Centro do Rio. O minúsculo bairro, de cerca de 30 mil habitantes, ganhou destaque no segundo turno da eleição por ter dado a maior votação proporcional (75,41%) ao presidente eleito Jair Bolsonaro na capital fluminense.
Há até quem duvide que o bairro exista. No blog “Cronistas suburbanos”, há um divertido texto do jornalista Allan Duffes sobre o desconhecimento geral em torno de Senador Vasconcelos, no qual ele assegura que o bairro existe e tem uma importante função: sem ele, o ramal de Santa Cruz teria uma estação a menos. O bairro vive sob a sombra de Campo Grande, com o qual faz divisa.
A ideia de que o eleitorado foi seduzido pela promessa de mais segurança não se aplicaria ao bairro, que possui uma situação relativamente confortável nesse campo. Segundo os moradores, ali não há balas perdidas nem áreas sob o controle de traficantes. Também não há favelas. A mais próxima está a um quilômetro e meio de distância, em Senador Camará. Há uma comunidade mais carente em Vasconcelos, chamada Muriçaba, que, segundo a população local, não chega a ser favela.
Também não tem delegacia policial, e as ocorrências são registradas em Campo Grande. As estatísticas sobre criminalidade fornecidas pelo Instituto de Segurança Pública do estado do Rio somam os registros de cinco bairros vizinhos. Mesmo assim, os números corroboram a percepção de que os assassinatos diminuíram e os roubos cresceram. Foram notificados 95 homicídios em 2016 e 99 em 2017, quando a anual de 2003 a 2010 foi de 254 assassinatos. Em contrapartida, o número de roubos saltou de 2 350 para 4 935 nos últimos três anos.
Estive em Senador Vasconcelos na véspera do feriado de Finados, para tentar entender a razão da acachapante vitória do capitão Bolsonaro. Uma explicação estaria na quantidade de militares entre os moradores, sobretudo de cabos e soldados da Polícia Militar, Exército e Aeronáutica, que comemoraram a eleição com foguetório e buzinaço.
Cheguei lá pouco depois das 8 horas, e encontrei as ruas vazias. A correria dos empregados para entrar nos trens, vans e ônibus rumo ao trabalho tinha terminado. Soube que até as 17 horas, quando recomeça o agito da volta para casa, o bairro é uma pasmaceira, e ganha ares de cidade do interior. Mas, nem sempre foi assim. A proprietária da Pensão Betel, Cláudia de Paula, de 42 anos, disse que vinte anos atrás traficantes exibiam fuzis pelas ruas. Eles teriam sido afugentados ou eliminados pela milícia.
A maioria dos eleitores que entrevistei não estava a par das medidas cogitadas pelo futuro presidente. ‘‘Não entendo de economia. Deixo isso para o posto Ipiranga”, respondeu Nilson Gomes, de 27 anos, repetindo o bordão de Bolsonaro sobre o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Casado e pai de três filhos, Gomes nunca teve emprego de carteira assinada e sobrevive de consertar bicicletas em seu quiosque “Moriça Bike”.
Também encontrei eleitores que acompanham as discussões pela internet, como o neto de militar Guilherme Oliveira Melo, de 27 anos, estudante de engenharia de produção em Campo Grande, eleitor fiel de Bolsonaro há várias eleições, por influência do avô, já falecido. Ele disse que pesquisou sobre as ideias de Paulo Guedes, antes de votar. “Entendi que ele fará uma política de livre-comércio e de corte de gastos públicos, o que apoio.”
Sem qualquer perspectiva de conseguir emprego como engenheiro a curto prazo, o jovem montou uma lojinha de produtos para animais com ajuda financeira da mãe, que recebe pensão como filha de militar. Apesar de ter se beneficiado, indiretamente, da previdência dos militares, afirmou ser contra a manutenção do privilégio e que não vê motivo para mulheres jovens e saudáveis serem sustentadas pelo Estado apenas por serem filhas de militares.
O comércio predominante em Senador Vasconcelos são os bazares, onde se vendem bijuterias, brinquedos, roupas e uma vasta gama de produtos de baixo preço. O maior concorrente do bazar é o brechó, com as mesmas mercadorias populares, porém usadas. Quase não se vê camelôs nas ruas, mas muitas casas têm placas oferecendo produtos e serviços, o que é um sinal evidente do desemprego.
A professora de inglês Tônia Mello Dutra, de 58 anos, casada com um militar da Aeronáutica, abriu há um ano o Bazar Novo Horizonte, que, segundo ela, sobrevive a duras penas. Quando o faturamento não cobre os gastos, o marido a socorre. O casal foi ativo na campanha de Bolsonaro pelas redes sociais e, segundo Tônia, o mesmo aconteceu nas famílias de militares com as quais se relaciona. Ela disse esperar que Bolsonaro melhore o seu comércio, a saúde pública e a segurança. “Está difícil apontar prioridade. Está tudo muito ruim. Qualquer mudança vai ser boa”, resumiu.
Muitas famílias estão no bairro há gerações. Danilo Reis, de 31 anos, e sua mulher Eliete Santos, de 37, donos do Bazar Toda Diva, nasceram e se criaram ali, assim como os pais deles. Mas, em contrapartida, vive numa rotatividade profissional de tirar o fôlego. Já vendeu roupas de porta em porta, churrasquinho em calçada, foi vendedor de loja, atendente de banca de revistas, garçom, motorista de Uber. Atualmente, dirige caminhão de entregas, é DJ nos finais de semana e tem um serviço de garçom para festas, além de ajudar a mulher na loja. Somando todas as fontes de renda, diz que fatura de 3 mil a 4 mil reais mensais. Abandonou dois cursos universitários – de educação física e de engenharia elétrica – por falta de dinheiro e de tempo.
As escolhas políticas de Danilo também mudaram de direção neste ano. Depois ter votado no PT em três eleições presidenciais, foi tragado pela onda bolsonarista. Ele diz que não se considera de direita nem de esquerda e que só quer “um Brasil melhor e sem corrupção”. E que não acompanha as propostas da equipe de Bolsonaro. “Não tenho opinião formada sobre fusão de ministérios e reforma da Previdência. Se for cortar custos, sou a favor”, declarou.
O pintor Valter Costa, de 59 e anos e seu filho Fábio Costa, de 38 anos, operador de produção em indústria, também foram eleitores do PT nas três eleições presidenciais anteriores e mudaram nesta eleição. Os dois, igualmente nascidos e criados no bairro, disseram que teriam votado em Lula se ele tivesse sido candidato, mas não mantiveram o voto no PT porque não se convenceram de que Fernando Haddad tem perfil para presidente. “Escolhi Bolsonaro na esperança de que vá melhorar a saúde e a segurança, e atrair investidores estrangeiros. Não por ideologia”, disse Fábio Costa. E o pai lamentou: “O que matou o projeto de Lula foi não ter conseguido explicar o tríplex de Guarujá ao juiz Sérgio Moro.”