Poucos meses antes da votação que escolheria o Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, participou de um encontro na Nigéria no qual teria sido acertado o pagamento de uma propina de 2 milhões de dólares em troca de, ao menos, um voto a favor do Rio. O depósito foi efetuado em 29 de setembro de 2009 – três dias antes da votação – em contas de um dirigente africano sediadas no Senegal e em Moscou. O dinheiro foi enviado pelo empresário brasileiro Arthur Cesar de Menezes Soares Filho, conhecido como “Rei Arthur”, o mais poderoso prestador de serviços da era do ex-governador do Rio, e hoje preso, Sérgio Cabral. Na manhã desta terça-feira, Nuzman e Soares foram alvos da operação Lava Jato.
Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, ambos são responsáveis pelo esquema de pagamento de propina a membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) em troca de apoio ao Rio de Janeiro para sediar os Jogos. O caso concreto é o do suborno de Papa Massata Diack, filho do presidente da Associação Internacional das Federações de Atletismo, Lamine Diack, usando a conta de uma offshore – a Matlock Capital Group – sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, e pertencente ao Rei Arthur. Na votação, o Rio derrotou Madri por 66 votos a 32.
Soares, que está em Miami, e sua procuradora, Eliane Cavalcante, tiveram a prisão preventiva decretada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7a Vara Federal Criminal do Rio, a pedido do Ministério Público. Uma ordem de busca e captura de Soares já foi enviada à Interpol.
Nuzman terá de prestar depoimento na Polícia Federal e entregar todos os passaportes que tiver em seu poder. “Sem a presença e a negociação entabulada por Carlos Arthur Nuzman, a engenhosa e complexa relação corrupta aqui narrada poderia não alcançar o sucesso que efetivamente alcançou”, afirmam os procuradores da Lava Jato no Rio. As sedes do Comitê Olímpico Brasileiro, do Comitê Organizador dos Jogos – do qual Nuzman era presidente –, e de vários escritórios ligados ao Rei Arthur estão sofrendo busca e apreensão.
As investigações que levaram Nuzman e Soares a cair na Lava Jato começaram na França, no ano passado, e diziam respeito, inicialmente, ao pagamento de propina a membros do COI para que fizessem vista grossa a casos de doping. Durante a apuração, o Ministério Público francês descobriu os depósitos feitos por Soares em contas de membros da federação de atletismo.
Os documentos enviados pelos franceses formam a espinha dorsal da operação realizada hoje, que foi reforçada, no Brasil, pelo depoimento de um ex-membro do COB que se tornou colaborador da Justiça: o ex-atleta Eric Maleson, que presidiu a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo. Maleson afirmou também que Nuzman teria recebido a nacionalidade russa em troca de seu voto a favor da cidade de Sochi para sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. O delator afirmou que Nuzman temia ser preso no Brasil, e queria o passaporte russo para poder se refugiar no país de Vladimir Putin. No pedido apresentado pelo MP ao juiz Marcelo Bretas, os procuradores dizem ser necessário investigar esse trecho das declarações de Maleson.
O MP aponta ainda que Nuzman realizou centenas de saques em espécie da conta do Comitê Olímpico Brasileiro entre 2014 e 2015, retirando 1,4 milhão de reais no total. E encontrou um outro vínculo entre a organização dos Jogos e o Rei Arthur: a transferência de 3,8 milhões de reais do Comitê Organizador Rio 2016 para a conta da empresa responsável pelo Trump Hotel, na Barra da Tijuca, a título de reservas de hospedagem para o evento.
Apesar de Soares não figurar em documentos oficiais como sócio do hotel, os investigadores descobriram que ele detém cotas da sociedade que controla o empreendimento – investigada em outra operação por ter provocado prejuízo a fundos de pensão.
Arthur Soares é um homem de grandes somas. Ao longo do governo Cabral, o grupo Facility, do qual era dono, prestou ao estado do Rio todo tipo de serviço – de limpeza à vigilância, passando por radiografias e carteiras de motorista. Faturou, por baixo, 3 bilhões de reais. E irrigou de forma generosa os cofres de Cabral e seus comparsas.
Durante as investigações, o MP descobriu que Soares (por meio da Matlock) abriu contas em diferentes países. Uma delas, localizada em Antigua, outro paraíso fiscal caribenho, servia exclusivamente para o empresário pagar a propina devida a Cabral. Nessa conta, o Rei Arthur depositou 10,5 milhões de dólares para o ex-governador entre 2010 e 2013.
Mas, nem toda a propina distribuída por Soares no Rio de Janeiro foi depositada em contas no exterior. Parte era entregue diretamente a funcionários públicos e secretários de estado na sede do grupo Facility, no bairro do Rio Comprido, nos limites do Centro do Rio de Janeiro. Era lá que se faziam as reuniões para combinar o resultado de licitações e a distribuição das propinas – normalmente, 10% do valor de cada contrato.
Segundo um dos delatores – o ex-subsecretário de Saúde César Romero – o butim era assim dividido: 5% para Cabral, 2% para o então secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, 1% para o próprio Romero, 1% para uma pessoa do Tribunal de Contas do Estado (ainda não identificada ) e 1% para “alimentar o esquema”.
Romero estima que o Facility tenha distribuído, por mês, cerca de 9 milhões de reais em espécie. O dinheiro, ao que tudo indica, era retirado na boca do caixa por gente do próprio grupo empresarial. Desde 2008, a Receita Federal contabilizou saques de mais de 152 milhões de reais de apenas cinco empresas ligadas a Soares.
O patrimônio amealhado pelo Rei Arthur ao longo do governo Cabral impressionou os investigadores. Segundo a Receita Federal, em 2006, quando Cabral foi eleito, Soares tinha pouco mais de 16 milhões de reais em bens. No ano seguinte, já havia acumulado 156 milhões de reais; em 2016, chegou a 238 milhões de reais.
Ao longo desse período, Soares realizou diversas operações de transferência de ativos para offshores sediadas em outros países, buscando evitar rastreio e confisco por operações como a de hoje. Ele sabia que estava na mira, e tentou blindar a si próprio e à família.
Em 2014, vendeu o grupo Facility a uma empresa controlada por offshores em paraísos fiscais. Em 2015, declarou à Receita não mais residir no Brasil e parou de declarar imposto de renda no país. No ano seguinte, passou a preparar sua mudança para o Uruguai e criou um fundo para sustentar a mulher, Regina, e os dois filhos, Juliana e Arthur Neto.
Entre os ativos que ele pretendia manter sob controle da família estão um jato executivo avaliado em 20 milhões de dólares, a casa de Mangaratiba onde passava, nos bons tempos, os finais de semana perto de Cabral, e a mansão de mais de 5 milhões de dólares que comprou em um condomínio de luxo em Miami. Agora, sob a caça da Lava Jato, o Rei Arthur deverá deixar seu império em troca de uma cela no Batalhão Especial Prisional em Benfica.