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    Eduardo Bolsonaro e Trump - Intervenção de Paula Cardoso sobre fotos de Pedro Ladeira/Folhapress e Evan El-Amin/Shutterstock

questões da ultradireita

E Trump não foi à Amazônia

Zero Três tratou do convite pessoalmente na Casa Branca; resultado da eleição americana frustra plano familiar e deixa Bolsonaro mais isolado

Thais Bilenky | 10 nov 2020_16h41
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As pretensões eram imodestas. Donald Trump, inspiração maior de Jair Bolsonaro, viria até o Brasil, uma deferência por si só. Desembarcaria na região do país que hoje tem a maior visibilidade internacional – para o mal, no caso, devido a desmatamentos recordes. Na Amazônia, os chefes de Estado assinariam um acordo, o mais amplo possível, que estreitasse os laços entre os países e, de preferência, incrementasse as trocas comerciais. Trump disse que queria vir, mas não veio.

Sua derrota na eleição presidencial americana, na semana passada, frustra uma das principais ambições do governo Bolsonaro e, em particular, da família Bolsonaro, para sua projeção dentro e fora do país. A visita de Trump aumentaria a relevância do Brasil no mapa do populismo de ultradireita mundial. Ainda que o americano conceda tempo em sua agenda e venha ao Brasil antes de deixar o cargo, o que está previsto para acontecer no dia 20 de janeiro de 2021, o simbolismo não será mais o mesmo. Ele já é um pato manco, como se costuma se referir, nos Estados Unidos, aos presidentes em final de mandato.

Em agosto de 2019, Trump concordou em receber o deputado federal Eduardo Bolsonaro, à época candidato a embaixador do Brasil em Washington. O Zero Três embarcou em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) junto com o chanceler Ernesto Araújo e o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, para um bate e volta à capital dos Estados Unidos. No início da tarde de uma sexta-feira no final daquele mês, passaram cerca de meia hora no Salão Oval da Casa Branca num encontro fora da agenda oficial de Trump. Saíram sem anúncios ou novidades. Em rede social, Eduardo falou de forma genérica sobre temas abordados, entre os quais o “desenvolvimento sustentável da Amazônia”.

Araújo repetiu o termo e declarou à imprensa que a reunião era por si só uma vitória. “Trump prometeu trabalhar com a gente nessa questão do desenvolvimento sustentável na Amazônia, interesse enorme em acordo comercial amplo. Temos que sentar agora para ver como vai ser isso, como vamos modelar esse tipo de acordo. Nós não tínhamos expectativa de sair daqui com nada assinado, mas achamos que é extraordinariamente significativo que o presidente Trump tenha nos recebido”, disse.

Quatro meses depois, em dezembro do ano passado, Eduardo contou à piauí mais detalhes sobre a reunião. Os brasileiros convidaram o americano para visitar o país. “Ele tem intenção de vir, quer vir”, disse o deputado na ocasião. “Só que para ele vir aqui não pode ser uma visita de cortesia, até porque ano que vem [2020] é ano eleitoral para ele, então [precisa de] uma agenda montada. Ele tem que vir para assinar um acordo, conhecer alguma coisa, participar de um fórum.” 

Eduardo já então havia desistido da embaixada em Washington por não ter conseguido apoio dos senadores que iriam sabatiná-lo e nem mesmo de seu eleitorado. Mas, mesmo sem o cargo formal de embaixador, ele é o internacionalista da família Bolsonaro. Propôs ao pai que recebesse Trump na capital do Rio Grande do Norte. “A sugestão que eu dei ao presidente foi que fosse um repeteco do encontro do Franklin Roosevelt com o Getúlio Vargas em Natal, no início dos anos 1940, que selou a entrada do Brasil na Segunda Guerra ao lado dos Aliados”, contou. 

Roosevelt desembarcou na capital potiguar na manhã de 28 de janeiro de 1943, deu uma volta pela cidade com Getúlio num jipe e uma foto em que todos gargalham se tornou a imagem histórica da “Conferência de Natal”, como ficou conhecido aquele encontro. A entrada do Brasil na guerra, no entanto, já havia sido selada no ano anterior. 

Mas o presidente Bolsonaro achou a ideia do filho um pouco extemporânea. “Ele falou que, devido ao mundo atual, talvez fosse… ficou em aberto isso daí, né, mas um encontro de repente na Amazônia seria interessante, seria mais atual”, prosseguiu Eduardo em dezembro passado. Virou o ano, chegou a pandemia, as eleições nos Estados Unidos se aceleraram, e Trump não veio.

 

Admirador entusiasmado dos Estados Unidos, Eduardo afirmou que não “puxou essa responsabilidade” de trazer o presidente americano para o seu colo, mas o que pôde fazer para aproximá-lo do governo de seu pai, ele fez. “Gosto muito dos Estados Unidos, acho que a gente tem muito o que aprender com eles, em economia liberal, na questão do armamento. Sou fã da Segunda Emenda [que garante o direito à legítima defesa e o porte de arma]”, elogiou o Zero Três.

Desde antes mesmo do dia da votação nos Estados Unidos, Trump contesta o resultado da eleição, que afinal deu vitória ao seu oponente, o democrata Joe Biden. O presidente insiste em reverter os resultados na Justiça. Jair Bolsonaro é um dos poucos chefes de Estado que não cumprimentaram o vencedor. Na América do Sul, apenas ele e o mandatário do Suriname silenciaram. 

Bolsonaristas dizem que, com essa postura, o presidente do Brasil continua se gabaritando junto a Trump. Caso o resultado da eleição seja mesmo revertido, o que até eles consideram improvável, ou se Trump voltar a disputar a Presidência em 2024, como tem cogitado, segundo o site Axios, o presidente do Brasil estará em mais alta conta ainda. Nesses cenários remotos, Bolsonaro certamente se credenciaria a receber Trump numa visita oficial, esperam aliados do presidente brasileiro. A assessoria de imprensa de Eduardo Bolsonaro disse que ele só se manifestará sobre a eleição americana depois de saírem “os resultados oficiais”, ou seja, as decisões judiciais. 

Se a Amazônia serviu de palco para a plataforma destrutiva de Bolsonaro com apoio de Trump (o americano disse que o brasileiro “trabalhava duro” para conter incêndios na floresta e fazia “um ótimo trabalho para a população do Brasil”), a maior reserva tropical do mundo agora tende a se tornar centro de disputa acirrada com os Estados Unidos e boa parte do mundo. A única menção feita ao país durante a campanha eleitoral americana veio de Biden, que prometeu oferecer 20 bilhões de dólares para o Brasil “parar de destruir a floresta”, caso contrário “enfrentará consequências econômicas significativas”.

Para além da política ambiental, a derrota de Trump é um revés para Bolsonaro, que se elegeu na esteira de outras vitórias da extrema direita pelo mundo. Sem Trump, o isolamento do Brasil ficará ainda mais escancarado.

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