El Salvador viveu quase três décadas sob o domínio armado das pandillas, organizações criminosas que atuam à maneira das milícias do Rio de Janeiro. As pandillas aterrorizavam bairros inteiros da capital, San Salvador, e cidades do interior do país. Controlavam os serviços de gás e tevê a cabo, cobravam “taxa de segurança” de lojistas, extorquiam motoristas do transporte coletivo, comandavam o tráfico de drogas local, expulsavam moradores para se apossar de suas casas e estupravam mulheres e meninas.
Em 2015, o país centro-americano era o mais violento do mundo, com 106,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em 2022, o presidente Nayib Bukele – um político que defendia ideias à esquerda e virou líder da extrema direita –, resolveu fazer um combate sem lei e sem trégua contra a criminalidade. O índice desabou para 7,8 homicídios por 100 mil habitantes. No ano seguinte, foi apenas 1,7 homicídio por 100 mil, segundo estatísticas oficiais (nem sempre confiáveis).
Para mudar a situação, Bukele recorreu a métodos atrozes: instaurou um regime de exceção, acabou com o princípio da inocência, restringiu o direito de defesa, pulverizou as liberdades civis, deflagrou a maior operação de prisão em massa de que se tem notícia e transformou o país num estado policial autocrático.
Em dezenove meses, prendeu 73 mil pessoas, uma média superior a cinco presos por hora. Como já havia 30 mil no cárcere, El Salvador tornou-se a maior prisão do mundo em termos proporcionais: são 1 086 detentos para cada 100 mil habitantes. Entidades salvadorenhas de direitos humanos estimam que apenas um terço dos detidos sejam de fato pandilleros e que boa parte dos presos é inocente.
As prisões iniciais não satisfizeram Bukele. O governo passou a pressionar a polícia para manter o ritmo de detenções. “Cada unidade tinha de prender pelo menos cinco pessoas por dia, caso contrário a equipe não ganhava folga do trabalho”, diz Vásquez Panameño. Começaram abusos de todo tipo. Policiais criavam fichas de inocentes para “esquentar” detenções e efetuavam prisões apenas com base em denúncias anônimas. As ONGs de defesa dos direitos humanos compilaram casos de pessoas presas depois de terem sido delatadas por vizinhos com quem tinham desavenças pessoais.
Enquanto isso, no entanto, quase como num passe de mágica, os pandilleros sumiram das ruas. “Antes vivíamos com medo constante: de apanharmos na rua, de sermos expulsos das nossas casas, de sermos mortos. Agora tudo isso é passado”, diz Jhonatan Siguenza Alfaro a Allan de Abreu, em San Salvador, na edição deste mês da piauí. Segundo pesquisa da Universidade Centro-Americana, a taxa de aprovação popular de Bukele é de 94,3%. Seu nome passou a ser festejado pela extrema direita na América Latina.
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