“Atenção, pais, alunos e responsáveis: a Escola Estadual Dorgival Gonçalves comunica a todos que estão sendo realizadas atividades online e que as atividades impressas, para alunos que não possuem aparelho de celular nem acesso a internet, estão sendo entregues no Correspondente Bancário próximo à unidade sentinela Covid -19. Não desista! Estamos dando o nosso melhor por você!”
Essa foi a mensagem que um carro de som circulou durante o mês de julho pelo distrito de Luziápolis, no município alagoano de Campo Alegre. Foi mais uma das estratégias que a diretora Valquíria Batista de Assis e sua equipe colocaram em prática para alcançar os jovens de ensino médio que não estavam participando das atividades remotas.
Logo que as aulas presenciais foram suspensas, no mês de março, foi designado um professor para cada turma, responsável por criar um grupo de WhatsApp com todos os estudantes, a partir das informações que constavam dos registros de matrícula. No entanto, como muitas fichas estavam incompletas, a ação não foi suficiente para atingir 100% dos alunos. Por sugestão de um professor, alguns alunos com perfil de liderança foram então mobilizados para ajudar nessa tarefa.
O carro de som – emprestado pela prefeitura – foi mais uma tentativa de chegar aos que continuavam ausentes. A ação seguinte foi ir de porta em porta nos endereços que constavam nas fichas de matrícula. Apesar de todos os esforços de Valquíria e sua equipe, um levantamento feito no início de agosto mostrava que 74 de seus 713 estudantes continuavam “desaparecidos” das atividades.
“Houve casos em que o endereço estava errado, ou que ninguém sabia para onde a família tinha ido. A gente tem dado o nosso melhor, mas não conseguir chegar a todos dói muito”, lamenta a diretora.
A evasão já era um problema recorrente para um colégio localizado na área rural de um município de 57 mil habitantes, cuja principal fonte de renda das famílias é o trabalho sazonal em usinas de cana-de-açúcar. A pandemia agravou ainda mais esse quadro e, em todo o Brasil, acentuou desigualdades. Enquanto crianças e jovens em colégios particulares, desde os primeiros dias, já interagiam por computadores com seus professores em salas de reuniões virtuais, na rede pública, educadores enfrentavam dilemas como os da equipe da escola Dorgival Gonçalves, tendo que engajar em atividades remotas alunos com acesso precário à internet pelo celular, ou sequer isso.
Há muito ainda a ser investigado sobre os impactos da crise que “causou o distúrbio mais grave já registrado nos sistemas educacionais em toda a história”, nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres. Num cenário tão desafiador quanto o enfrentado por educadores na rede pública brasileira, não devemos esperar milagres.
No entanto, é razoável a hipótese de que estudantes que tiveram a sorte de ter uma diretora como Valquíria terão sofrido menos os efeitos negativos da paralisação das aulas. As ações coordenadas por ela, antes e durante a pandemia, constam da literatura acadêmica sobre o que fazem lideranças escolares eficazes. Elas pactuam objetivos comuns, estreitam laços com a comunidade, estabelecem relações de confiança, ajudam a construir um bom clima escolar, mantêm o foco de todos no trabalho pedagógico e, por fim, desenvolvem profissionalmente outros na equipe, dando oportunidades de também exercerem liderança.
Como é comum em casos de diretores no Brasil que se destacam utilizando esse mesmo repertório, Valquíria aprendeu a agir assim principalmente por intuição. Nos melhores sistemas educacionais do mundo, porém, há clareza do que se espera desses profissionais e o desenvolvimento das habilidades esperadas não acontece por acaso. Elas são trabalhadas de forma coerente nas políticas públicas de formação, apoio e seleção ao longo da carreira.
A diretora da Dorgival Gonçalves costuma repetir uma frase que sintetiza bem a necessidade de haver harmonia nas ações da escola: “Se a coordenação sobe, o professor desce e o diretor fica no meio, o aluno não vai para lugar algum.” Com alguma adaptação, a afirmação serve para destacar também a necessidade de haver mais coerência nas políticas públicas de gestão escolar. Se a legislação do setor e as políticas públicas de formação, seleção e apoio não forem pensadas de maneira coerente, a tendência é que o sistema seja disfuncional.
Esse é um problema comum aos países da América Latina, conforme conclusão de um estudo de 2016 dos pesquisadores chilenos José Weinstein e Macarena Hernández. Eles realizaram uma extensa investigação – com base em questionários respondidos por autoridades e na análise de documentos locais – em sete países da região (Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e República Dominicana). No caso do Brasil, devido à ausência de diretrizes nacionais, foi selecionado apenas o estado do Ceará. A principal conclusão foi que as políticas de formação de lideranças escolares estão ainda em estágio inicial – o título do artigo é “Dores do Parto” –, com “vários problemas, contradições e falta de coerência interna e externa”.
Uma das razões identificadas para essa incoerência é a inexistência de documentos claros de orientação sobre padrões ou modelos de liderança escolar. Dos sistemas investigados, apenas três (Chile, Colômbia e Equador) dispunham desses marcos. Mesmo nos casos dos países que ao menos conseguiram estabelecer padrões sobre o que se espera dos diretores, os pesquisadores identificaram que é comum a legislação não ser modificada, gerando inconsistência entre o que esses documentos sinalizam como importante e o que está estabelecido em lei.
Inspirado pelo trabalho de Weinstein e Hernández, enviei, no último trimestre de 2018, a técnicos da área de gestão escolar de todas as secretarias estaduais um questionário sobre as políticas para o setor. O levantamento foi feito para o livro Líderes na Escola: O Que Fazem Bons Diretores e Diretoras e Como os Melhores Sistemas Educacionais do Mundo os Selecionam, Formam e Apoiam. Das 27 unidades da federação, 26 responderam (a exceção foi Rondônia).
Uma primeira questão investigada foi sobre a definição do que se espera do diretor no exercício de sua função. O objetivo era identificar leis, manuais, marcos, guias ou textos de orientação. Quase todas as unidades da federação (24 das 26 participantes) responderam ter esses documentos. No entanto, os links, anexos ou referências enviados foram, com raríssimas exceções, apenas leis, decretos, resoluções ou portarias, escritos em linguagem jurídica, repletos de artigos, caputs, incisos e afins.
É natural que definições sobre carreira, seleção e atribuições dos diretores tenham de estar respaldadas em bases legais. Porém, os documentos ficaram praticamente restritos a isso, mesmo com a pergunta tendo explicitado a possibilidade de envio de mais de um material de referência. Eles em nada se assemelham, por exemplo, a marcos que existem em alguns países com políticas mais avançadas sobre lideranças escolares, baseados em referências acadêmicas e escritos em linguagem acessível, deixando claro quais são as competências, as habilidades e os conhecimentos esperados.
Em um dos documentos analisados, o “Regimento Escolar dos Estabelecimentos de Ensino da Rede Pública Estadual do Maranhão” (2016), por exemplo, chegaram a ser listadas 57 atribuições dos gestores escolares. Há desde questões que são sem dúvida importantes para a aprendizagem e bem-estar (“articular a relação entre a escola e a comunidade” ou “acompanhar e propor intervenções para correção das taxas de reprovação, abandono, infrequência e similares”) até atividades meramente burocráticas (“conferir, expedir e assinar documentos escolares” ou “fornecer as informações solicitadas no Censo Escolar”).
Alguns poucos estados forneceram documentos além desses textos legais. Foram eles: Espírito Santo, Santa Catarina, São Paulo e Pernambuco. Os mesmos foram identificados na tese de doutorado de Filomena Siqueira e Silva (FGV-SP) como exceções entre as redes estaduais que fugiam do padrão de apenas caracterizar “uma lista de tarefas que não fomentam o desenvolvimento de um perfil de liderança eficaz” em seus documentos de definição sobre o que se espera do diretor.
Na mesma pesquisa, ela também encontrou uma associação positiva entre o desempenho dos alunos em testes de português e matemática e a existência de um gestor com características de liderança eficaz, definida no estudo a partir das respostas de professores, alunos e diretores no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do MEC.
A concepção de que um diretor, mais do que um mero administrador do espaço e de pessoas, deve ser visto como uma liderança que potencializa o trabalho dos profissionais e coloca o foco nos alunos é relativamente nova. Ao analisarem 22.361 artigos publicados em 22 revistas científicas internacionais entre 1960 e 2018, Philip Hallinger e Jasna Kovačević identificaram que, até 1980, as palavras “estudantes” e “liderança” tinham pouca centralidade nas pesquisas sobre o tema. Os conceitos mais comuns até então eram o de “administração” e o de “gerenciamento” da escola.
Essa transição na expectativa quanto ao trabalho do diretor e sobre seu impacto no desempenho e bem-estar dos alunos também levou, no mundo todo, a uma reflexão a respeito da qualidade da formação que esses profissionais recebiam.
No caso da América Latina, um estudo publicado em 2017 por José Weinstein, Ariel Azar e Joseph Flessa investigou o impacto de cursos para diretores de escola em sete países (Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e República Dominicana). Os autores encontraram apenas efeitos marginais na melhoria do trabalho coletivo dos professores, nas expectativas em relação aos estudantes, no suporte ao trabalho pedagógico, na satisfação dos docentes e na avaliação dos professores sobre a qualidade de sua relação com o diretor. A conclusão foi que era necessário repensar a política de formação de diretores e a maneira como eles eram selecionados e apoiados em suas funções pelos sistemas educacionais.
Segundo a pesquisa Práticas de seleção e capacitação de diretores escolares, coordenada por Heloísa Lück para a Fundação Victor Civita em 2011, a falta de apoio aos gestores no cargo e o descasamento entre o conteúdo das formações e a realidade enfrentada no cotidiano da escola já eram citados como um dos principais problemas pelos diretores brasileiros.
No contexto brasileiro, além da dúvida quanto à eficácia dos cursos, há também a constatação de que poucos diretores tiveram a oportunidade de se qualificar para o cargo. Ao pesquisar pela primeira vez essa questão no Censo Escolar de 2019, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) identificou que apenas um em cada dez gestores havia feito curso de formação continuada com, no mínimo, oitenta horas em gestão escolar.
O governo federal já fez esforços para oferecer cursos de formação de gestores a distância. Os resultados, no entanto, foram pouco animadores. Natália Sottani, Sandra Mariano, Joysi Moraes e Bruno Dias, da Universidade Federal Fluminense, analisaram os resultados do Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica (PNEGEB), criado em 2006 pelo MEC, e identificaram que o curso teve alta evasão. Dez anos após seu início, somente 19.257 de 36.443 matriculados o haviam concluído.
O programa previa a parceria com universidades, que seriam responsáveis pelo desenvolvimento do conteúdo. Também neste quesito o resultado foi decepcionante. Ao entrevistarem técnicos do MEC, de universidades e de secretarias de Educação que se envolveram com o programa, os autores concluíram que o formato do curso abria pouco espaço para dialogar com a diversidade de contextos locais nos diferentes estados e municípios. Ao fim, a constatação foi que o programa foi abandonado pelo MEC sem ter sido avaliado.
Se a formação oferecida aos diretores no Brasil e na América Latina tem sido insuficiente, o que podemos aprender olhando para as nações mais bem-sucedidas nessa tarefa? Este é o mote de um estudo internacional divulgado em 2017 pelo Centro Nacional de Educação e Economia (NCEE, na sigla em inglês), que identificou quatro sistemas educacionais de excelência na formação de lideranças: Singapura, Ontário (Canadá), Hong Kong (China) e Xangai (China). A principal característica de todos os programas analisados era a de terem sido desenhados para atender à visão e às necessidades das escolas locais.
Outros quatro elementos comuns foram observados. Um deles é o foco em problemas reais que estão sob a alçada dos diretores. Outro é o entendimento de que as escolas devem ser consideradas comunidades de aprendizagem profissional, ou seja, locais onde a busca por aperfeiçoamento do trabalho de professores e gestores seja constante.
Há nessas formações também a consciência de que escolas são ambientes complexos, que necessitam de habilidades de pensamento crítico e de capacidade de resolução de problemas pelos gestores. Por fim, a oferta de treinamento e apoio é contínua ao longo da carreira, e não restrita apenas ao momento de um curso.
Aperfeiçoar a formação de diretores, portanto, é um dos maiores desafios para os formuladores de políticas. No entanto, se isso não estiver alinhado às demais políticas públicas, se não houver apoio constante e se não existir uma política de desenvolvimento desse profissional ao longo da carreira, o resultado será sempre aquém do desejado.
Nesse sentido, também há muito a avançar no Brasil. No questionário preenchido por técnicos de 26 redes estaduais de Educação, um resultado surpreendente foi o fato de nenhuma secretaria ter assinalado a existência de um programa formal de mentoria a diretores novatos, mesmo essa tendo sido uma das respostas listadas como opção no documento. Trata-se de uma ação recomendada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no relatório de divulgação da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem de 2018. A prática tem ganhado espaço em diferentes sistemas educacionais do mundo, por oferecer um apoio adicional, entre pares, desvinculado da relação de avaliação ou poder que normalmente um superior hierárquico na estrutura da secretaria tem sobre um diretor.
Outra forma de suporte aos novatos pouco lembrada pelos técnicos de secretarias que participaram da pesquisa é a formação de uma rede de diretores, para troca entre pares. Apenas dois estados indicaram ter essa estrutura. Isso não significa que, na prática, não exista esse intercâmbio. No questionário de 2017 da Prova Brasil, avaliação bianual do MEC, 94% dos diretores afirmaram trocar informações com colegas, sem dizer, no entanto, a frequência e a qualidade dessa interação. Contudo, a não citação na pesquisa com técnicos de secretarias é um indicativo de que, ao menos na visão desses profissionais lotados nos órgãos de gestão escolar dos estados, esse tipo de apoio estruturado – muito comum em sistemas educacionais de alto desempenho –, se existe, não foi relevante o suficiente para ser lembrado.
No caso brasileiro, a forma de suporte aos novatos mais citada – por 17 das 26 secretarias ouvidas – é da própria burocracia estatal, por meio de superintendentes, supervisores ou técnicos lotados em regionais ou outros órgãos da secretaria. É sem dúvida um tipo de apoio essencial, mas é importante refletir sobre como esses profissionais têm exercido a função. No estudo Práticas comuns à gestão escolar eficaz, dos pesquisadores Fernando Abrucio (FGV-SP) e Francisco Soares (UFMG), uma das conclusões da análise das ações em escolas com melhor desempenho foi justamente a qualidade da interação com as secretarias, o que levou os pesquisadores a recomendar que a relação entre os supervisores (a nomenclatura do cargo varia de acordo com o estado) e os diretores não seja restrita a uma simples fiscalização burocrática.
Além das políticas de formação e apoio, a terceira ponta do tripé que precisa ser melhor trabalhada no Brasil é a forma como selecionamos diretores. Veveu Arruda, ex-prefeito de Sobral (CE), conta uma história curiosa, de quando seu grupo político, liderado por Cid Gomes, assumiu em 1997 o poder na cidade que depois se tornaria referência de bom desempenho em avaliações educacionais. Ao analisar o perfil dos gestores escolares, a Secretaria Municipal de Educação percebeu que um deles nunca assinava documentos. “A nomeação era feita por políticos e nem era preciso ser professor para assumir o cargo. Vários eram completamente despreparados para a função, mas um deles chegava a ser analfabeto”, relata Veveu.
Uma ex-secretária estadual de Educação me confidenciou outro relato surpreendente: ao assumir o posto, um grupo de políticos a procurou com um documento, com firmas reconhecidas em cartório, em que se fazia uma partilha, entre partidos que apoiavam o governador, sobre quem indicaria diretores em cada região.
No Brasil, há três formas mais comuns de seleção de diretores: eleições pela comunidade escolar, concurso público e indicação direta pelo executivo. A terceira modalidade, mais sujeita à interferência política indevida, é adotada por 70% dos municípios, de acordo com a pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE. O fenômeno é mais concentrado em municípios pequenos. Naqueles com mais de 500 mil habitantes, a proporção cai para apenas 13%.
Em um estudo divulgado em 2017, as pesquisadoras Mitra Akhtari, Diana Moreira e Laura Trucco (as duas primeiras na época doutorandas na Universidade de Harvard e a última na New York University) analisaram a trajetória do desempenho de estudantes na Prova Brasil (exame oficial do Ministério da Educação) em municípios onde o mesmo grupo político foi reeleito, em comparação com cidades onde houve ruptura política. O trabalho identificou que a troca de comando na prefeitura teve impacto negativo no desempenho dos alunos entre 2008 e 2012, especialmente em cidades mais pobres. Naquelas onde houve continuidade na administração municipal, a taxa de substituição de gestores escolares foi de 43% em dois anos; onde houve troca no comando político do executivo, o percentual de diretores substituídos foi significativamente maior: 71%.
A pesquisa observou ainda que a interferência política resultou em profissionais menos qualificados e em maior interrupção de programas e treinamentos em escolas. O trabalho não permite concluir que toda troca de comando seja prejudicial ou mesmo que a indicação seja necessariamente ruim. Mostra, porém, que, da maneira como tem sido feita no Brasil, os efeitos no desempenho dos estudantes são negativos.
Justamente por estar mais sujeita a influências negativas da política partidária, há relativa concordância entre especialistas de que a indicação direta pelo executivo não é a melhor maneira de selecionar diretores de escola. Não existe consenso, porém, sobre qual a melhor das outras duas modalidades mais comuns: a eleição pela comunidade ou o processo seletivo.
A eleição é defendida como uma forma democrática de garantir que o gestor tenha o respaldo da comunidade, mas é criticada pelo risco de trazer para o cotidiano da escola o pior das práticas da política eleitoral, e de não necessariamente garantir que a pessoa escolhida tenha competência para assumir o cargo. Processos seletivos, como concursos públicos ou outros formatos, são vistos por seus defensores como mais meritocráticos e melhores tecnicamente para selecionar os mais capacitados, porém são criticados pelo risco de trazer para o comando profissionais com pouca identificação com as comunidades.
Avaliar as consequências do formato escolhido para selecionar diretores é uma dimensão fundamental no debate público. É preciso, porém, avançar mais também no entendimento das ações praticadas pelos gestores uma vez no cargo. Eleição direta não é garantia de gestão democrática, assim como concurso público não assegura eficiência.
Outro equívoco que deve ser evitado é o de olhar apenas para o momento da escolha. Os melhores sistemas educacionais do mundo estimulam o desenvolvimento de habilidades de liderança em professores desde cedo na carreira para identificar candidatos a diretores em potencial. Dessa forma, diminui a chance de um professor que não tenha aptidão para um cargo de liderança ser selecionado.
Uma característica também marcante desses sistemas é a organização de processos seletivos com a preocupação de alinhar o perfil de candidatos às necessidades da escola. No Chile, em Nova York e em Ontário, por exemplo, postulantes que passaram por todos os pré-requisitos são entrevistados por uma banca que avalia não apenas sua competência, mas também sua adequação a cada unidade.
Essa é uma recomendação especialmente importante para um país como o Brasil, com enorme diversidade social. A depender das características da escola, da comunidade e de sua situação, diferentes perfis de liderança podem ser mais apropriados. Apesar disso, em muitas redes no país, a escolha do diretor segue a lógica de um concurso público, em que os primeiros colocados decidem, a partir de uma lista de postos vagos, onde querem atuar, sem que o sistema se preocupe se aquela é a unidade de ensino que mais precisa deles ou se o perfil é o mais adequado aos desafios a serem enfrentados.
Avançar em políticas de formação, seleção e apoio a diretores de escola é tarefa absolutamente essencial – mesmo que não isoladamente suficiente – na busca de um sistema público de ensino de qualidade. Como afirma o canadense Kenneth Leithwood, mais citado pesquisador sobre o tema em revistas científicas internacionais, “até o momento, não há registro de um único caso de transformação positiva na escola na ausência de uma liderança talentosa”.
Como Valquíria de Assis, sobram exemplos no Brasil de gestores que – antes, durante ou depois da pandemia –, mesmo em contextos adversos e com apoio insuficiente, conseguem, na medida do que é possível, avanços significativos em suas escolas. Temos muito a aprender com eles. Mas uma nação que realmente leve a sério a meta de garantir uma Educação de qualidade para todos não pode depender apenas do acaso ou de pessoas extraordinárias. Para avançar como país, necessitamos de políticas públicas efetivas, coerentes e consistentes no longo prazo.
O texto acima é uma versão adaptada pelo autor de capítulos de seu livro Líderes na Escola: O Que Fazem Bons Diretores e Diretoras e Como os Melhores Sistemas Educacionais do Mundo os Selecionam, Formam e Apoiam, a ser lançado neste mês pela Editora Moderna e a Fundação Santillana. A pesquisa e a reportagem para o livro foram viabilizadas pela Spencer Education Journalism Fellowship, da Universidade de Columbia. Uma versão gratuita do livro pode ser lida aqui mod.lk/lideresc