O Brasil voltou ao cenário internacional. Mas os novos embaixadores, que vão representar o país no exterior e implementar a política externa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda continuam por aqui. Dezoito diplomatas que já receberam o agrément (o aceite) dos países para onde foram designados aguardam, entre preocupados e exasperados, que o Senado finalize os procedimentos previstos na Constituição – sem os quais eles não podem assumir as chefias das representações no exterior. Com a mudança de governo e a guinada na política externa brasileira, o Ministério das Relações Exteriores, por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde a posse, está substituindo os titulares dos postos mais importantes e estratégicos, como Washington, Buenos Aires, Paris, Londres, ONU e outros. Lula já indicou os novos embaixadores. Sem o menor sinal de que os processos andariam na Casa comandada por Rodrigo Pacheco, o Itamaraty deu uma parada no envio das mensagens com as indicações. Finalmente, na sexta-feira, 28/4, no final do expediente, a Mesa leu as dezoito indicações dos nomes que serão sabatinados pela Comissão de Relações Exteriores do Senado (CRE). Na última quinta-feira (11/5) foram sabatinados os primeiros nove. Depois os nomes seguem para o plenário, que dá a aprovação final. Para esta quinta está prevista na Comissão a sabatina de mais seis indicados.
“O descaso com a diplomacia é tão grande que, com essa demora, esses embaixadores já estão enfraquecidos antes de chegarem aos seus postos”, pondera o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e ex-embaixador em Washington Rubens Ricupero, um dos mais experientes e reconhecidos diplomatas brasileiros. Ele recorda que já houve casos de demora do Senado em aprovar nomes – mas, a não ser em momentos em que a Casa não vê com bons olhos o indicado, os processos costumam ser rápidos. Na história recente, o caso mais rumoroso foi o do deputado Eduardo Bolsonaro, a quem o pai, o então presidente Jair Bolsonaro, pretendia entregar a embaixada em Washington. A rejeição foi tão grande que o nome dele sequer foi mandado para o Senado.
“Desde o governo Temer [o presidente Michel Temer] há uma certa politização na forma como o Senado trata essas indicações”, explica o professor Guilherme Casarões, doutor em ciência política pela USP e mestre em direito internacional. Em outras palavras, o Senado usa as indicações para mostrar apoio ou não ao governo. “E agora o Senado está muito desorganizado”, completa Casarões.
O posto em Washington ficou vago durante meses após a saída do embaixador Sérgio Amaral, que os bolsonaristas não queriam no cargo pois o consideravam tucano e identificado com o PSDB. Sem conseguir um nome afinado com Bolsonaro para chefiar a representação, o presidente acabou promovendo o encarregado de negócios Nestor Foster – que já não ocupa mais o posto. Sua sucessora, um dos nomes mais preparados e reluzentes do Itamaraty, é a embaixadora Maria Luiza Viotti, que também foi ouvida no dia 11 passado. “Não é terrível, mas é ruim. É chato”, comenta, sobre a demora, o ex-embaixador Roberto Abdenur, experiente diplomata que, entre outros postos, chefiou as embaixadas de Washington e Pequim.
Desde que assumiu a Presidência, Lula já percorreu Argentina, Uruguai, Estados Unidos, China, Portugal, Espanha e Reino Unido. E viaja nesta quarta (17) ao Japão. À exceção de Londres – o embaixador Fred Arruda foi nomeado pelo ex-presidente Michel Temer –, os postos nesses países estão sob o comando dos embaixadores nomeados por Bolsonaro ou dos encarregados de negócios, que são os segundos na hierarquia das embaixadas, como ocorreu em Washington. Sem proximidade com os diplomatas antigos, Lula tem tido, segundo fontes da diplomacia, pouco ou nenhum contato com eles. Os principais articuladores das agendas externas têm sido o assessor internacional do Palácio do Planalto, Celso Amorim, e o chanceler Mauro Vieira. “Os embaixadores que estão nesses postos são pessoas competentes. Mas é claro que não haverá a proximidade que haveria com alguém indicado pelo presidente Lula”, diz um embaixador brasileiro no exterior.
Diplomatas experimentados, que preferem falar sob a condição do anonimato, creem que os quatro anos do governo Bolsonaro relegaram a política externa, internamente, a um tema sem importância, inclusive junto a outras instituições brasileiras. E, externamente, o país à condição de pária no cenário internacional, à margem das decisões e dos grupos pelos quais passam os temas que afetam o planeta e a humanidade. O desconhecimento do ex-capitão e as ideias esdrúxulas do ex-chanceler Ernesto Araújo promoveram um expurgo que afastou os melhores nomes da Casa, tornando o Itamaraty um deserto. “Houve uma deterioração absoluta da compreensão das instituições sobre a importância da diplomacia”, diz Ricupero.
Em seu livro A diplomacia na construção do Brasil (VersalEditores), o ex-embaixador escreve que poucos países devem à diplomacia tanto como o Brasil. “Em muitas das principais etapas da evolução histórica brasileira, as relações exteriores desempenharam papel decisivo. Com seus acertos e erros, a diplomacia marcou profundamente a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo por meio do comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não (…).”
Além da importância que a diplomacia teve na construção do país, a formação aprimorada dos profissionais brasileiros é reconhecida por países do mundo inteiro. Acostumados a negociar nos principais foros internacionais, os brasileiros rapidamente recebem o agrément, como aconteceu agora. São raríssimos os casos em que isso não acontece, como ocorreu com o bispo Marcelo Crivella, indicado por Bolsonaro para a Embaixada do Brasil em Pretória, África do Sul, em substituição ao então embaixador Sérgio Danese. Seu agrément não foi recusado (um gesto gravíssimo na linguagem diplomática), mas os sul-africanos retardaram tanto o “aceite” que o Brasil retrocedeu – entendeu o recado – e deixou o posto vago. Para acomodar Crivella, o governo Bolsonaro mandou Danese para Lima. Agora ele foi indicado para a representação do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Danese não precisa de agrément porque seu cargo é junto a um organismo internacional. Mas o nome deve ser aprovado pelo Senado, assim como os demais.
Por uma questão de reciprocidade – quando um país concede o agrément rapidamente, espera o mesmo da outra parte, isto é, que o novo embaixador assuma rapidamente o posto – o Itamaraty contava que o Senado sabatinasse rapidamente os diplomatas na Comissão de Relações Exteriores e enviasse os nomes ao plenário para serem aprovados. Mas isso não aconteceu, e os que buscaram alguma explicação se depararam com justificativas divergentes. Uma das mais frequentes dava conta de que o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no começo da legislatura, estaria contrariado com o governo por não conseguir nomear aliados para cargos públicos e teria “articulado” para que nada fosse votado em lugar algum. Consultada sobre isso, a assessoria de Alcolumbre não respondeu.
Alcolumbre se tornou presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma das mais importantes da Casa, e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) ficou com a Comissão de Relações Exteriores e Defesa (CRE), por onde precisam passar as indicações. De Renan se dizia que ele estava insatisfeito com algumas nomeações para a Abin e reagiu atrasando as sabatinas dos embaixadores. No entanto, desde que foi eleito, Renan sempre disse que tão logo a Mesa lesse as indicações enviadas pelo presidente Lula, ele marcaria as sabatinas. Como de fato o fez. “O senador apenas aguardava a leitura dos nomes pela Mesa”, disse um assessor dele.
O problema foi parar nas mãos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG): por que ele esperou todo esse tempo para ler as indicações na Mesa? “Sabe por quê? Porque isto aqui (Câmara e Senado) virou uma confusão. O governo não tem articulação. Os aliados não são nomeados. E agora, vem aí uma CPMI (a do 8 de janeiro). Quer dizer, vai piorar”, afirma o oposicionista Esperidião Amin (PP-SC), um dos decanos do parlamento. A assessoria do senador Pacheco não quis comentar o assunto. Procurado, o Itamaraty também afirmou que não se manifestaria.