O Senado aprovou, em 22 de novembro do ano passado, uma Proposta de Emenda à Constituição que limita as decisões monocráticas do STF. Foram 52 votos a favor, 18 contra. Se for avalizada pela Câmara, a proposta vai mudar muita coisa no Supremo: os ministros não poderão mais, individualmente, tomar decisões que anulem atos dos presidentes da República, do Senado e da Câmara. Pedidos de vista deverão durar, no máximo, seis meses – podendo ser renovados uma única vez, por até noventa dias.
A PEC foi abraçada de corpo e alma pelo bolsonarismo. Dos doze senadores do PL, partido do ex-presidente Bolsonaro, onze votaram a favor da proposta (a exceção foi Romário).
Nos bastidores, sem que quase ninguém soubesse, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, tomou o caminho contrário. Numa manhã de novembro, dias antes da votação, o ministro Alexandre de Moraes o convidou para seu apartamento funcional em Brasília e pediu que lhe ajudasse a “sensibilizar” senadores do PL a voltarem contra a PEC. O café da manhã dos dois ficou fora das agendas oficiais e nunca foi divulgado. Valdemar se prontificou a atender o pedido de Moraes e telefonou para parlamentares do seu partido, conforme revela reportagem de Thais Oyama na edição deste mês da piauí.
Não se sabe bem quanto esforço Valdemar empreendeu. O certo é que não deu frutos: os senadores do PL não abdicaram da oportunidade de desferir um golpe contra o Supremo. Mas o episódio circulou nos corredores de Brasília. Em janeiro, sentindo necessidade de afagar os bolsonaristas, Valdemar deu uma entrevista em que defendia o impeachment de Moraes e chamava de “frouxo” o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por não tomar a iniciativa de abrir o processo. Pacheco, irritado, fez uma publicação no X (ex-Twitter) sem mencionar o nome do presidente do PL, afirmando que considerava difícil conversar com gente que “defende publicamente impeachment de ministro do Supremo para iludir seus adeptos, mas, nos bastidores, passa pano quando trata do tema”. Era uma indireta para o café da manhã que Valdemar havia tomado com Moraes em novembro.
Para quem conhece o presidente do PL, nada disso surpreende. Valdemar pavimentou sua longa carreira com método, pragmatismo e uma fé incondicional na ideia de que é dando que se recebe. Numa hora, afaga o bolsonarismo; noutra, o arquirrival do bolsonarismo.
Essa elasticidade fez com que Valdemar transformasse o PL numa fulgurante exceção nesses tempos de polarização – o raro caso de uma sigla em que cabem, ao mesmo tempo, muito de Bolsonaro e um pouco de Lula. O partido acomoda bolsonaristas raiz, como Bia Kicis, Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, e também parlamentares que votam sistematicamente com o governo, como João Carlos Bacelar, Junior Lourenço e Fernando Giacobo. Estes últimos, por serem próximos a Valdemar, compõem a ala que bolsonaristas chamam de “PL do V” – o PL do Valdemar. Como esses parlamentares estão entre os que mais receberam emendas individuais no primeiro semestre do governo Lula, também foram apelidados de “emendistas”. Dizem deputados do PL que, com os bolsonaristas, Valdemar faz votos, e com os emendistas pisca para o governo. “A relação de Valdemar com o governo do PT não poderia ser melhor”, confirma, não sem ironia, um expoente petista.
Em outubro de 2021, quando estava quase certa a entrada de Jair Bolsonaro no PL, Lula mandou um emissário até Valdemar. Queria saber se o casamento com o rival era irreversível ou se ainda havia espaço para uma conversa. O mensageiro ouviu de um penhorado Valdemar que a conversa com Bolsonaro de fato estava “bem adiantada”, mas apenas porque ele “não poderia imaginar” que Lula, inelegível até seis meses antes, seria candidato nas eleições de 2022. Em seguida, para surpresa do emissário, acrescentou: “Mas diga ao Lula para ficar tranquilo. Se ele ganhar, no dia seguinte estarei com ele.”
O encontro com Moraes é indicativo de que Valdemar continua bastante flexível com suas ideias. Assinantes da piauí podem ler, na íntegra, o perfil do presidente do PL.