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Ensaiar é preciso

Zelia Duncan | 30 jun 2011_11h44
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Ensaiar é preciso. Ensaiar é uma rede de segurança. Mesmo que na hora “h”, você faça tudo diferente, vai fazer justamente porque ensaiou.

Quando o ensaio é do seu trabalho, é importante saber escolher bem, quem vai te acompanhar. Isso partindo do princípio de que você é uma cantora ou cantor solo, que vai precisar de uma banda. Mas respire fundo, você vai errar muito nessa parte. Minto, você vez em quando vai acertar! O convívio com os músicos é maravilhoso e complexo. Com eles experimento momentos, influências e sentimentos únicos, que vão se espalhando pelos álbuns, palcos, programas e ensaios. Nem tudo são flores, mas espalhamos juntos várias pétalas perfumadas ao vento. O músico participa de momentos íntimos, nos vê com uma lente de aumento inevitável e, uma vez no palco, se posiciona na nossa retaguarda. Portanto, é muito bom ter nessa ocasião, pessoas que gostam de estar ali e de alguma forma apreciam o que estão fazendo ao seu lado. E, nesse sentido, os ensaios são mesmo uma benção. Só a partir deles, você se sente mais seguro para enfrentar o imponderável.

Arrebenta a corda da guitarra… hoje em dia, eles levam outro instrumento, temos um rodie profissional e tudo acontece mais rápido. Mas, antigamente, o músico se retirava do palco para trocar a corda e o show rolando. Ou então o contrabaixo fica mudo. Caos. Mistério, eles correm pra lá, correm pra cá, a platéia tentando entender e você também. Não dá pra sentar e chorar, atitudes precisam ser tomadas e se você está basicamente seguro com o que fez pra chegar ali, vai continuar fazendo e aprendendo. Até que alguém una um fio ao outro, ou aperte aquele botão banal, que alguém desapertou sem querer.

Se fizermos o que foi ensaiado , vai ser lindo, se fizermos diferente e muito melhor, também foi graças às horas que passamos praticando, criando, batendo, literalmente, na mesma tecla. Claro que há vários tipos de talentos, gente que sai tocando, improvisando e pronto. Mas se você está ensaiando para um lançamento de álbum, por exemplo, provavelmente vai querer reproduzir o que gravou e há várias maneiras de se fazer isso. Eu adoro ver o trabalho se modificar nas mãos dos músicos que eu escolhi. Gosto de vê-los envolvidos e estimulados.

Mestre Itamar Assumpção, vez por outra, mudava todos os arranjos já gravados e dava sempre vazão à usina que trabalhava incessantemente dentro de sua cabeça. Então ele tinha a seu lado músicos competentes e dispostos a enfrentar esse tipo de desafio.

Há alguns dias ensaiamos para o Prêmio de Música, a turnê. Outra modalidade de ensaio. Repertório só de Noel Rosa e uma banda fixa, escolhida por um diretor. Vai ser um evento com quatro artistas diferentes. A postura é outra, as idéias de muitas pessoas estarão ali e músicos com os quais eu tenho o prazer de cantar vez em quando, que não são a minha banda. É também muito interessante, porque você precisa se expressar cuidadosamente e tem a oportunidade de se ouvir diferente, dentro de uma outra trama de sons.

Cantei com meu amigo Lenine, que é um cara extremamente musical, que abre vozes e se diverte e se emociona junto comigo. Mais uma possibilidade de fazer música, cantando com um colega. Aí é preciso ouvir, receber o que a outra voz propõe, servir e ser servido. Ensaiando você percebe o melhor rumo a ser tomado, dependendo também da personalidade de quem divide a canção com você. Nessa ocasião, convém mais ouvir, assimilar e propor com delicadeza, sem gritar no ouvido do colega, o que pode ou assustar, ou provocar outros gritos em troca e a música vira um ringue, uma fogueira de vaidades nada musicais. Com Lenine, por exemplo, o encontro é suave, de colegas que se gostam e respeitam as trajetórias, só alegria.

Seja como for, me parece que sempre que a música for privilegiada, sempre que ela for o objetivo principal, as outras coisas relativas ao show acontecerão bem.

A música gera todo o resto e o ensaio é a maternidade, o marco zero, o início do exercício do desejo, que deve ser incontrolável, de se expressar.

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