A rede estadual de ensino de São Paulo lançou em abril aulas pela televisão e por um aplicativo para manter o cronograma durante a pandemia do novo coronavírus. Para estudantes na periferia da capital paulista, não é só a falta de acesso à internet que dificulta o aprendizado. Faltam mesas apropriadas, ambiente propício para estudar e, mais importante, uma dinâmica que reproduza minimamente a sala de aula, em que o professor ensina uma matéria, os alunos tiram dúvidas e fazem tarefas para absorver o conteúdo. A produtora cultural Luana Almeida, de 24 anos, conta como jovens e crianças de seu bairro, a União de Vila Nova, no extremo Leste de São Paulo, estão se virando.
Em depoimento a Thais Bilenky
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Aqui na minha rua moram meus primos gêmeos de 6 anos, outro de 9 anos e uma de 13. A vizinha de cima, a Keith Beatriz, está com 15 anos. O que eles têm em comum é a dificuldade de entender esse ensino a distância.
A Duda, uma menininha de 10 anos, filha de amigos da minha família, estava falando para mim que precisa pôr crédito no celular, porque ela não tem wifi em casa para poder acessar as aulas e está dependendo do 4G. Ela coloca entre 40 e 50 reais por mês. Só online ia ficar muito pesado [para o orçamento da família. Os pais trabalham no ferro-velho que fica embaixo de sua casa]. Tem um canal de tevê em que as aulas também são exibidas e que dá um suporte.
A dificuldade da Duda no começo era entender a aula. Num dia, do nada, a professora começou a cantar. Acredito que ela tenha perdido alguma coisa, a introdução, e estava achando horrível. As crianças pequenas precisam que os pais sentem com elas, expliquem o que estão fazendo. Vestir o uniforme da escola ajuda. Dessas pessoas mais próximas a mim, a maioria tem wifi, mas não é só a internet a questão. Tem crianças cujos pais estão trabalhando. Quem vai ajudar nas atividades da escola? Fora o desafio da concentração.
O problema desse ensino a distância é que, a longo prazo, a gente sabe que não é efetivo. Não consigo ver resultado. Eu vejo professoras empenhadas, fazendo coisas que nunca fizeram antes. Tem uma, a Leilane, que escreve no Facebook pedindo para os alunos comentarem, postarem atividades. Tanto para os estudantes quanto para os professores está sendo muito pesado.
Cada um se reinventa como pode, mas tem mãe que está trabalhando, a criança liga lá a televisão e fica por conta dela. Para a Duda está tudo lindo, mas a Keith está em outra fase, já entendeu o grau de ineficiência.
“Tem gente que não está achando muito legal, porque não pode estudar por meio de comunicação ou porque não tem internet, mas pra mim está sendo ótimo. É bom estudar pelo menos pela internet. Tem gente que está saindo ainda, que está indo brincar, e tem gente que não, porque a mãe não deixa ou está indo trabalhar. Ficar em casa está sendo ruim pra todo mundo, né?”, contou a Duda.
“Eu gosto bastante da aula online, mas eu prefiro sala de aula. Minhas amigas também estão estudando. Já criamos um grupo no WhatsApp com a professora, com os pais e os alunos, e a gente pode fazer perguntas lá, porque pelo aplicativo não dá, porque são mais de 10k [10 mil] alunos, sabe? Então fica ruim pra nós, aí é ruim mesmo.”
Duda estuda na sala de casa. Fecha a janela porque o barulho da rua a desconcentra. Filha única, passa o dia sozinha enquanto os pais trabalham no ferro-velho. “Depois eu desço para brincar.” Ela disse que, quando começou a quarentena, não tinha como ter aulas em casa por falta de equipamentos. “Eu estava sem nada para estudar, sem uma mesinha, sem nada. Aí minha mãe foi lá na escola conversar com a inspetora e ela deu uma carteira velha que há muito tempo ficava numa salinha para a minha mãe.”
A Keith Beatriz já entendeu tudo. “O ensino a distância é um tiro no pé dos estudantes, principalmente para quem estuda em escola pública, porque não atende todas as necessidades dos alunos, principalmente agora”, lamentou. “Minha escola tem passado muita lição, às vezes eu nem tenho dado conta porque é muita informação e não tem ajuda. Tem também o aplicativo da escola, que ainda está em desenvolvimento, e não pega muito bem, tanto que nem vejo muito, porque os professores se perdem.”
Keith não acha boa a solução da rede estadual de manter a programação letiva durante a pandemia. “Mano, a minha preocupação é não passar de ano, porque tem tido muito conteúdo e não tem sido ensinado nada, entendeu? Não está sendo bom. Quem tem noção das coisas está bem preocupado.”
A adolescente disse que a sua escola não passa lição todo dia, mas sim uma remessa com muitas atividades de uma vez com um prazo de entrega unificado. “Isso não tem sido bom pra mim e não vai refletir bem na minha vida de estudante porque é EaD [ensino a distância], a gente não tem todo o suporte. Eu tenho internet em casa, mas mesmo assim eu sinto a necessidade de aprender. Eu queria estar em aula presencial. É difícil você se concentrar, e passar lição não vai fazer você aprender, não vai suprir essas necessidades.”