Primeiro, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) parabenizou Eduardo Cunha pela condução exemplar dos trabalhos. Depois, antes de votar a favor do impeachment, homenageou a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o torturador que chefiou o DOI-Codi, cuja figura se confunde com o capítulo mais sórdido da ditadura militar. Apesar da concorrência de tantos canastrões fervorosos a discursar na Câmara, ninguém conseguiria ser mais boçal. O troféu da abjeção é de Bolsonaro.
Sim, conhece-se o personagem. Tão espantosa quanto o que ele é capaz de dizer talvez seja a sua projeção pública crescente. Tome-se o Datafolha realizado este mês sobre a sucessão presidencial de 2018. Em todos os quatro cenários pesquisados, Bolsonaro aparece em quarto lugar, oscilando entre 6% e 8% das intenções de voto, ao lado de Ciro Gomes (PDT). Está atrás de Marina e Lula (empatados na liderança) e do candidato tucano (Aécio, Serra ou Alckmin). Um político abertamente fascista com 8% das preferências para a Presidência da República não é trivial, mas custa acreditar que ele possa ir muito além disso.
Passou despercebido, no entanto, o dado verdadeiramente chocante da pesquisa. Foi o cientista político André Singer quem me alertou para o fato de que Jair Bolsonaro hoje é o candidato preferido da parcela mais rica do país. Sim. Está no Datafolha: entre os que têm renda familiar mensal superior a 10 salários mínimos (apenas 5% da população do país), Bolsonaro lidera a corrida presidencial. Num dos cenários, chega a ter 23% das preferências dos eleitores mais aquinhoados. Lula, o segundo colocado nessa faixa de renda, tem 13% dos votos. Na outra ponta da pirâmide social, entre os que ganham até dois salários mínimos, Bolsonaro tem 4% dos votos. O contraste entre a aceitação de Bolsonaro na elite econômica e no povão dá o que pensar – além de ser um soco no estômago (para usar uma imagem que deve agradar aos eleitores do deputado) dos que gostam de dizer que pobre é massa de manobra e não sabe votar.
No quarto cenário pesquisado, quando o Datafolha inclui o nome de Sergio Moro entre os presidenciáveis, Bolsonaro ainda assim mantém a dianteira, com 15% entre os mais ricos (contra 13% do juiz).
Observando-se o recorte dos níveis de escolaridade, Bolsonaro figura em segundo lugar entre os que têm curso superior, com 15% das intenções de voto. Está à frente de qualquer dos nomes tucanos e atrás apenas de Marina.
Tudo isso é evidentemente um retrato do momento. De um péssimo momento. É também um sintoma do caldo de cultura que está ganhando corpo no país. Jair Bolsonaro é hoje o presidenciável preferido de parte expressiva da elite brasileira – apenas isso. Como disse Eduardo Cunha ao votar: “que Deus tenha misericórdia dessa nação”.