Quando ocorreu o ataque terrorista do grupo Hamas e teve início a violenta reação deslanchada por Israel, o escritor palestino Atef Abu Saif, de 51 anos, estava na Faixa de Gaza a trabalho. Então ministro da Cultura da Autoridade Nacional Palestina, Abu Saif preferiu não deixar a região, onde ele nasceu e viviam familiares e amigos. Durante quase três meses, o escritor registrou o dia a dia da tragédia, na mais terrível agressão militar dos últimos tempos, que já matou mais de 37 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde da Autoridade Palestina.
Os relatos de Abu Saif saíram inicialmente em publicações como o jornal The New York Times e a revista The Nation. Agora, foram reunidos no livro Quero estar acordado quando morrer: diário do genocídio em Gaza, a ser lançado no Brasil no fim de julho, pela Editora Elefante. A piauí publica um excerto da obra na edição deste mês.
No trecho, o escritor conta como precisou se refugiar em Khan Yunis, no Sul da Faixa de Gaza, e depois em Rafah, no extremo Sul, para onde se deslocaram milhões de palestinos, desde que foi iniciado o ataque israelense no Norte e à medida que as forças militares adentravam o território palestino.
“É a mesma história de sempre. O que eles fizeram para dividir a Faixa em ‘Norte’ e ‘Sul’, agora estão fazendo para dividir o Sul. Khan Yunis está ‘insegura’, e todos devem ir para Rafah”, escreve Abu Saif. “Por toda a Faixa de Gaza, as pessoas se sentem traídas e abandonadas. Ninguém parece se importar conosco. Ninguém veio nos resgatar, ninguém ofereceu apoio. Israel está recorrendo a todas as táticas militares e a qualquer nova atrocidade, sem que ninguém coloque qualquer objeção. Fomos abandonados e temos de encarar e aceitar nosso destino, apesar de não podermos nos manifestar sobre ele. Temos de sofrer em silêncio. Não importa o que sentimos ou pensamos, ninguém nos ouve. O abandono é a nossa condição.”
Em 3 de dezembro de 2023, a casa da família de Abu Saif é destruída. “A casa onde nasci e cresci foi devastada. O lugar onde dei meus primeiros passos, onde aprendi as primeiras letras, onde escrevi minha primeira linha de ficção. A casa onde Hanna e eu começamos uma família e tivemos nossos primeiros quatro filhos. Quando deixei o local há dez dias, não imaginei que seria a última vez que eu a veria”, ele conta. “Se, no Dia do Juízo Final, Deus me perguntasse para onde eu gostaria de ser enviado, eu não hesitaria em dizer: ‘Para lá.’ Agora não existe mais ‘lá’.”
Assinantes da revista podem ler a íntegra do texto neste link.