“Escrevo entre duas devastações. Uma delas acomete o corpo de meu pai. A outra é coletiva, nacional. Nos últimos anos, fomos abatidos pelo macabro experimento político do grande mal que escancara os dentes para a pilha de mortos que nem mais conseguimos contar”, escreve o sociólogo José Henrique Bortoluci no livro O que É Meu, a ser lançado em março e do qual a piauí publica um trecho na edição de fevereiro.
No livro, o sociólogo reconstitui a vida de seu pai, José Bortoluci – diagnosticado com um câncer aos 78 anos –, e de sua família, à luz dos processos sociais e políticos do Brasil nas últimas décadas. “Entendi muito cedo que nossa vida familiar era assombrada pelo risco da pobreza extrema, pela inflação desenfreada, pelo adoecimento precoce”, conta o sociólogo. “Nós nos habituamos a viver em um estado de incerteza, submetidos à urgência das contas prestes a vencer e dos limites estreitos do que podíamos comer, conhecer, desejar.”
Caminhoneiro, o pai testemunhou o avanço das fronteiras do país no Centro-Oeste e na Amazônia durante a ditadura militar. “Era outro país esse que ele percorreu e ajudou a construir, mas que parece familiar nos últimos anos: um país tomado pela lógica da fronteira, da expansão a qualquer custo, da ‘colonização’ de novos territórios, da vandalização ambiental, da vagarosa construção de uma sociedade de consumo cada vez mais desigual”, escreve Bortoluci.
Os assinantes da piauí podem ler o trecho neste link.