Na última semana de novembro, quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ainda mantinha o pedido de impeachment de Dilma Rousseff na gaveta, surgiram os primeiros deputados propondo um acordo: se Cunha deflagrasse o processo contra Dilma, seria salvo no Conselho de Ética, onde responde processo por quebra de decoro, sob o risco de perder o mandato. Dias depois de a proposta ser ventilada na Câmara, Cunha aceitou o pedido de impeachment: era 2 de dezembro de 2015.
No último domingo, 17 de abril, 47 deputados dispararam impropérios contra Cunha durante a votação do impeachment – foi chamado de gângster, canalha, tirano –, mas também houve quem elogiasse a maneira como o presidente conduziu a sessão e até um parlamentar que declarou em público sua promessa de fidelidade. Nos dez segundos em que pôde anunciar seu voto, Waldir Maranhão disse que iria na contramão do seu partido, o PP maranhense, e votaria contra o impeachment a pedido do governador de seu Estado, Flávio Dino, do PCdoB.
“Eu quero dizer, meu Presidente querido, que continuarei sendo leal à sua pessoa, como Presidente desta Casa”, discursou Maranhão, olhando para um Eduardo Cunha impassível, antes de confirmar o 57o dos 137 votos que o governo receberia – 35 a menos do que precisava para barrar o processo. No final da votação, Paulinho da Força, aliado fidelíssimo do presidente da Câmara, disse à imprensa: “Ele merece ser anistiado. Vamos discutir isso já na segunda”.
Não na segunda, mas na terça-feira, a “anistia” começou a ser traçada. Waldir Maranhão cumpriu sua promessa de fidelidade e, como vice-presidente da Câmara, limitou as investigações do Conselho de Ética contra Eduardo Cunha. Réu na Lava Jato, em processo no qual é acusado de receber propina de negócios da Petrobras, Cunha apenas responderá por ter mentido a seus colegas.
Em depoimento à CPI da Petrobras, ele negou ter contas não declaradas no exterior. Passou pouco tempo até a Procuradoria-Geral da República desmenti-lo: encontrou quatro contas do deputado na Suíça. Cunha disse que, se alguma outra fosse encontrada, as daria de “presente”. Hoje, já são 13 as contas investigadas pelo STF como possíveis destinos da propina que Cunha teria recebido.
Eduardo Cunha começou a ser julgado no Conselho de Ética em 13 de outubro, quase dois meses antes de o processo de impeachment ter início na Câmara. Desde então, ele e sua tropa conseguiram travar e até fazer retroceder a ação no Conselho de Ética.
O primeiro relator designado, Fausto Pinato (ex-PRB-SP, hoje no PP), dizia estar sendo perseguido. Contou a colegas que seu motorista fora abordado por um motoqueiro nas ruas de São Paulo: “Pergunte ao seu patrão se ele quer ir para o céu. Se ele não acha melhor colaborar com a situação. Ele tem uma filha linda, uma esposa linda, um irmãozinho lindo. Tem muita gente poderosa por trás da relatoria do seu patrão. Dá esse recado pra ele”.
No começo de novembro, Cunha conseguiu – com a ajuda de Maranhão, sempre ele – destituir Pinato da relatoria do Conselho de Ética (alegando que ele fazia parte do mesmo bloco partidário dos autores do pedido). Ao deixar a relatoria, o deputado voltou a narrar ameaças: “Cheguei a pensar que eu poderia morrer, sim”.
O relatório – assinado, com a saída de Pinato, por outro deputado, Marcos Rogério (DEM-RO) – enfim foi aprovado em 15 de dezembro, depois de oito sessões frustradas, uma das quais terminou com os deputados Zé Geraldo (PT-PA) e Wellington Roberto (PR-PB) aos tapas. O placar foi apertado: dos 21 integrantes, 10 foram contra Cunha e 10 foram favoráveis. O processo foi aprovado com o voto de minerva do presidente, José Carlos Araújo, do PR da Bahia.
A tentativa de enterrar o processo envolveu até a falsificação de uma assinatura, como revelaram exames grafotécnicos encomendados pela Folha de S.Paulo. Fora de Brasília no dia da votação, Vinícius Gurgel (PR-AP) renunciou à vaga do Conselho para que o PR indicasse para seu lugar outro deputado pró-Cunha. Caso apenas faltasse à sessão, assumiria seu suplente, esse do PT. Gurgel insiste que ele mesmo assinou a renúncia, contrariando o resultado dos exames grafotécnicos: “Eu bebo. Podia estar de ressaca. Quando a pessoa está de ressaca, não escreve do mesmo jeito”.
Desde 22 de março, o processo está na fase de instrução probatória – quando testemunhas são ouvidas e provas colhidas. Enquanto isso, o inventário de manobras segue crescendo.
Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que vinha votando contra Cunha, foi trocado por um deputado favorável ao presidente da Câmara, Jozi Araújo (PTB-AP). O primeiro relator, Fausto Pinato, também deixou o Conselho por ter trocado de partido. Tia Eron (PRB-BA), ligada à Igreja Universal e a Cunha, assumiu seu lugar. Se os dois votarem a favor de Cunha, o presidente da Câmara terá maioria para barrar seu processo ou receber uma pena mais branda, como uma simples advertência.
O presidente do Conselho, José Carlos Araújo, diz: “Ou o STF julga o pedido da Procuradoria-Geral da República de afastá-lo da presidência, ou vai ficar difícil”. O deputado acredita que o relatório final pode ser votado ainda em maio. “Se ele [Cunha] cooptar votos e ganhar, ainda podemos recorrer ao plenário e aí todo mundo vota. Lá fica mais complicado para ele.”
Eduardo Cunha não costuma dar declarações políticas sobre o processo. Seus aliados cumprem a função. Quando comenta, atém-se a questões técnicase anuncia recursos. Uma das poucas vezes em que falou foi ainda em outubro, logo que o PSOL e a Rede pediram seu afastamento da presidência da Câmara. A frase, cinco meses depois, parece mais viva do que nunca: “Vão ter que me aturar um pouco mais”.