“Eu, Daniel Blake, sou um cidadão, nada mais, nada menos.” Essa é a frase final de Eu, Daniel Blake, filme de Ken Loach vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes do ano passado. É um arremate tão apelativo quanto eficaz – eficácia dramática atestada pelo impacto que causa, deixando o espectador meio aturdido sob efeito da autodefinição lapidar.
Hoje com 80 anos, já premiado antes com a Palma de Ouro por seu filme Ventos da Liberdade, de 2006, o veterano Loach foi claro na conferência de imprensa, em Cannes, a respeito do estilo de Eu, Daniel Blake:
“Encontrar o tom certo para um filme é realmente importante. Para esse, nós sentimos que a história era tão forte que tínhamos que ser muito simples, muito claros, muito econômicos, e que o filme não precisava de qualquer embelezamento. Então, Robbie [Robbie Ryan, diretor de fotografia]…nós procuramos encontrar um estilo que fosse absolutamente claro, e simples, e sem adornos, sem qualquer movimento estranho ou com qualquer coisa que distraísse, impedindo de captar a essência das pessoas em frente à câmera, e de descrever a situação delas com economia e simplicidade. Há uma citação de Bertold Brecht que eu creio ser muito boa e nos guiou em mais de uma ocasião e …, em inglês as palavras são: ‘And I always thought the simplest of words must suffice. When I say what things are like it will break the hearts of all.’ [‘E eu sempre pensei que as palavras mais simples devem bastar. Quando eu digo como são as coisas, partirá o coração de todos.’] E creio ter sido isso que nós tentamos fazer. Dizer como são as coisas, por que não apenas parte seu coração, mas deveria lhe fazer sentir raiva.”
Não é por acaso que Loach se considera devedor de Ladrões de bicicleta (1948), de Vittorio de Sica, Amores de uma loira (1965), de Milos Forman e A batalha de Argel (1965), de Gillo Pontecorvo. Sua extensa filmografia atesta, de fato, a marca deixada em Loach por esses filmes, notória desde Cathy Come Home (1966), famoso tele-filme sobre a falta de moradia, visto por 25% da população da Grã-Bretanha, e o extraordinário Kes (1969), seu segundo longa-metragem, sobre a relação de um adolescente com um falcão (kestrel, em inglês. Daí o título.). Cinquenta anos antes, o desespero da jovem noiva de Cathy Come Home (Carol White) prefigura o de Dan (Dave Johns), o marceneiro desempregado de Eu, Daniel Blake.
Loach valoriza a força da história, acima de tudo, em Eu, Daniel Blake. Para ele, a linguagem deve ser transparente e não deve interferir no enredo – postura que resulta em privilegiar o assunto do filme, em detrimento da forma. Cineasta engajado em defesa dos humilhados e ofendidos, Loach professa o ideal de fazer filmes a serviço de causas meritórias sem problematizar o fundamento ilusório do cinema que é a sua própria linguagem.