Como corredores que entram trôpegos no estádio depois de o vencedor da maratona olímpica já ter cruzado a linha de chegada e estar festejando, há também filmes retardatários. Vinculados à atualidade política do momento em que foram realizados, chegam defasados às telas dos cinemas, superados pela dinâmica intensa dos acontecimentos, em especial em períodos de crise.
Excelentíssimos, de Douglas Duarte, precedido por O Processo e Já Vimos Esse Filme, é mais um desses documentários retardatários que tratam, no caso, de maneira mais ou menos direta, do impeachment de Dilma Rousseff. Todos três lançados em cinemas ou plataformas digitais entre vinte e 25 meses depois do Senado Federal ter afastado a ex-presidente do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Depois de estrear em setembro no Festival de Brasília, Excelentíssimos foi exibido semana passada no Festival do Rio e tem estreia comercial marcada para o próximo dia 22. Se O Processo e Já Vimos Esse Filme, lançados antes do início da campanha eleitoral, já pareceram anacrônicos, quanto mais Excelentíssimos. Visto só depois do novo presidente da República ter sido eleito, o filme se tornou ainda mais obsoleto – demorou demais para ser apresentado e, como os demais, é insatisfatório por ser pouco esclarecedor.
Com o passar do tempo, esses filmes poderão recuperar interesse como registros para a história do impeachment. É provável que esse mérito, no futuro, lhes seja reconhecido. Mas agora foi eleito presidente um deputado inexpressivo, de currículo que em nada o ilustra. E, com esse novo governo já em organização, fazendo pairar ameaças sobre uma parcela considerável da população, o impeachment perdeu maior relevância – foi reduzido a um evento, entre outros, do percurso que levou a direita de viés autoritário ao poder.
É o caso de perguntar: Será preciso aguardar dois anos, ou mais, para assistirmos a filmes sobre a eleição presidencial de 2018 que procurem entender o que aconteceu? Se assim for, por mais que o processo inerente à feitura de todo filme seja mesmo demorado, um novo e grandioso fiasco terá sido consumado.
Prejudicado pelo atraso em vir a público, pesam ademais contra Excelentíssimos sua indefinição de rumo, ausência de reflexão crítica e falta de discernimento na seleção do que incluir ou excluir do filme.
O projeto, partindo de uma intuição certeira em setembro de 2015 – fazer um retrato do Congresso –, acabou perdendo o rumo. Mantido e circunscrito ao objetivo inicial, poderia ter captado ainda em ação os estertores do sistema partidário e da desmoralizada geração de políticos responsáveis, em parte, pela recente hecatombe eleitoral.
Autorizado a filmar em fevereiro de 2016, Duarte declarou ter sido submergido pelo processo do impeachment que pouco antes fora acolhido pelo presidente da Câmara dos Deputados, e que veio a ser aprovado pela Comissão Especial da Câmara, por 38 votos a 27, em 11 de abril de 2016, antes de ser encaminhado para apreciação do Senado.
“Já com as filmagens encerradas”, conforme diz na narração de Excelentíssimos, Duarte sentiu que para entender 2016 devia retroceder a 2014. Opção compreensível, em princípio, na tentativa de ajustar o foco do filme ao rápido desdobramento dos eventos. O resultado, porém, o tornou abrangente demais, sem conseguir dar conta do processo como um todo que remonta, na verdade, a 2005/2006, quando veio a público o escândalo da compra de apoio político pelo Partido dos Trabalhadores, e teve seu desfecho, até segunda ordem, nas eleições de outubro passado.
Sem retroagir além de 2014, como Excelentíssimos optou fazer, não é possível entender a exacerbação crescente do antipetismo cujo paroxismo foi decisivo para a vitória do presidente eleito. Ao tomar como referência inicial o segundo mandato de Dilma Rousseff, Duarte deixa de lado os três mandatos presidenciais anteriores, essenciais para compreender o que veio a ocorrer, inclusive a responsabilidade do ex-presidente Lula na corrupção entranhada nas campanhas que o elegeram e em seus governos.
Sem dar conta sequer do que escolheu narrar, mesmo em seus longos 152 minutos de duração, numa decisão ousada Excelentíssimos deixa de fora, por exemplo, o resultado desfavorável ao PT na eleição de 2016, assim como a etapa final do processo de impeachment, ocorrido no Senado Federal em 31 de agosto de 2016 com a perda do mandato presidencial de Dilma Rousseff por 61 votos a 20 – informação mencionada apenas de passagem pela narração.
O incômodo causado por essas lacunas resulta da ambiguidade que persiste em Excelentíssimos entre a proposta inicial de retratar o Congresso, reafirmada no título – a conhecida forma protocolar de tratamento dos parlamentares, mesmo quando se agridem verbalmente –, e de outro lado a decisão de acompanhar o processo do impeachment.
É essa indefinição que pode ter levado a incluir cenas sem relação direta com a perda de mandato de Dilma Rousseff, contribuindo para prolongar o filme além da conta. É o caso da reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito na qual um dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) recusa responder às perguntas dos deputados. A sequência dura cerca de 12 minutos, sendo seguida de outra com uns 4 minutos em que o futuro presidente eleito discursa. Dessa forma, pouco mais de 10% do filme é dedicado ao então pré-candidato à Presidência da República, personagem para todos os efeitos secundário na ocasião, notório apenas, no que diz respeito ao impeachment, por ter dedicado seu voto na Câmara a um torturador.
Não é verossímil que durante a montagem de Excelentíssimos, concluída em abril de 2018, Duarte tenha intuído que aquele deputado federal inexpressivo seria, seis meses depois, na eleição presidencial, o principal antagonista do candidato do PT, e que viria a ser o eleito. Fica a dúvida se, de algum modo, Duarte percebeu o que iria ocorrer e incluiu as duas sequências em que Jair Bolsonaro é o protagonista para assegurar certa atualidade ao filme.
Excelentíssimos começa com a então presidente Dilma Rousseff descendo a rampa do Palácio do Planalto para receber, sorridente, rosas de manifestantes femininas contrárias ao impeachment, naquela que teria sido “uma de suas últimas aparições públicas”, informa a narração. Fica sugerido, assim, que a narrativa irá se organizar em torno dela.
Duarte, roteirista além de diretor, custou a entender que Dilma não era, na verdade, a protagonista do filme. Lula demora a aparecer, só ganha destaque aos poucos e, no final, após a repetição da cena de Dilma recebendo rosas, há uma coda de cerca de 90 segundos na qual a narração informa que Lula foi preso em abril de 2018, condenado a doze anos, quando aparecia nas pesquisas como favorito na eleição presidencial marcada para outubro.
Duarte parece ter apostado que Lula conseguiria dar a volta por cima das adversidades que o vinham acossando e ser reeleito pela segunda vez. É o que sugere o plano final de Excelentíssimos, no qual o ex-presidente discursa em lugar e ocasião não definidos, dando a impressão nos fotogramas finais da cena de estar olhando diretamente para a câmera.
Essa teria sido uma vitória do verdadeiro protagonista do filme, seguindo uma tradição arraigada da narrativa cinematográfica – no final, depois de superar todos os obstáculos, o herói é vitorioso. Nesse caso da vida real, porém, quem venceu, contrariando as expectativas iniciais, foi o antagonista que até aquele momento não parecia ter a menor possibilidade de vir a ser um dia o presidente da República.