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    Rio: mais cinema, menos cenário

questões cinematográficas

Fatia de bolo solado

Divulgada através da comunidade de campanhas online secure.avaaz.org, a carta aberta resultante dos debates promovidos pelo movimento Rio: mais cinema, menos cenário contava com mais de 380 assinaturas quando foi lida durante a cerimônia de premiação do 20º É Tudo Verdade, sábado (18/4/2015) à noite, em São Paulo.

| 20 abr 2015_12h01
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Divulgada através da comunidade de campanhas online secure.avaaz.org, a carta aberta resultante dos debates promovidos pelo movimento contava com mais de 380 assinaturas quando foi lida durante a cerimônia de premiação do 20º É Tudo Verdade, sábado (18/4/2015) à noite, em São Paulo. Leia aqui a carta aberta

Mais uma vez, a sinceridade de propósitos do Mais cinema, como ocorrera no ano passado [leia os posts relacionados no final do texto], resvala na sua fragilidade conceitual e inconsistência crítica ao analisar a conjuntura cinematográfica.

A mais recente manifestação do movimento, que até hoje agregou pouco mais de quinhentas adesões, falha ao aceitar a lógica perversa na qual se baseia o tratamento desigual dado pelos gestores do cinema brasileiro a filmes de ficção e documentários – divisão em dissintonia com o cinema contemporâneo. Que tal pensar na crise do cinema brasileiro como um todo, recusando separações por gênero e análises setoriais que encobrem os malefícios da política cinematográfica predominante há anos entre nós?

“A lógica do mercado não pode nortear o investimento na produção […]” de filmes brasileiros em geral, não apenas de documentários, como propõe a carta aberta. Por quê? Simplesmente por que o mercado não tem lógica e todo projeto de filme merece tratamento equivalente, de acordo com sua qualidade, seu orçamento e a qualificação profissional do seu proponente. Além disso, para lidar com cinema é preciso levar em conta a natureza fundamentalmente ilógica e imprevisível do que é produzido – filmes são, por natureza, produtos únicos de alto risco.

Ao contrário do que a carta aberta afirma, não é apenas o documentário brasileiro que está em risco. É o cinema realizado no País como um todo que corre perigo, se já não estiver desfalecido. Vítima do modelo de produção vigente, o cinema brasileiro se apequenou, não sendo defensável em seu conjunto por nenhum critério, nem comercial, nem artístico. Não há falta de recursos na atividade cinematográfica, ao contrário. Há excesso de recursos mal aplicados.  Nunca se investiu tanto em cinema no Brasil. Mas a maior parte do que se investe é desperdiçada por falta de planejamento, accountability, capacidade empresarial, competência profissional e burocratismo.

O Mais cinema e os signatários da carta são bem intencionados, mas erram ao clamar por uma fatia maior do bolo. Demonstram com isso sua miopia. Ao circunscrever sua reivindicação a mais recursos para um gênero específico de filme, dão sinais de não terem notado que o bolo feito de cinema brasileiro está solado, duro, incomível enfim. Para quem não sabe, o Houaiss ensina que bolo solado “é o que não assa de modo uniforme, ficando embaixo uma camada mais dura e densa, como um couro.”

Excesso de aipim é uma das razões que faz o bolo solar, ensina uma consulta via Google.

O que precisa ser debatido são novos ingredientes, forma de combiná-los, temperatura do forno, mestre-cucas etc. Mas não. Sobre a raiz do problema paira silêncio.

*

Depois da interrupção de hoje, as férias do blogueiro, iniciadas em 6 de abril, prosseguirão até 4 de maio. Salvo novos imprevistos, a partir de 11 de maio os posts semanais deverão voltar a ser publicados às segundas-feiras. (EE)  

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