Ao longo do mês de dezembro, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Antonio Galvan, foi visto diversas vezes circulando pelos corredores do Senado. Um colega seu de associação, Carlos Fávaro, agora senador pelo PSD de Mato Grosso, estava com as negociações a pleno vapor. O objetivo era pôr em votação o que eles chamam de “marco da regularização fundiária”. Entravam e saíam dos gabinetes dos integrantes das Comissões do Meio Ambiente e da Agricultura, em especial de seus presidentes, Jaques Wagner (PT-BA) e Acir Gurgacz (PDT-RO), respectivamente. Com Galvan andavam outros ruralistas, sempre em bloco. A pressão é feita de forma organizada e conjunta pelas grandes associações do setor, em especial a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Assim, dizem ambientalistas, fica mais difícil identificar quem é quem e personalizar o lobby.
Ao longo do mês, Fávaro apresentou diferentes versões do relatório do seu projeto de lei, cujo objetivo ele descreve ser “proteger o meio ambiente e os direitos de pequenos proprietários”. O relator quer permitir que quem tenha invadido terras públicas após 2008 (após o marco temporal em vigor) e antes de 2017 possa se tornar seu dono, desde que pague ao Estado uma quantia estipulada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), inferior ao preço de mercado. A proposta facilita tanto a vida desses ruralistas que os ambientalistas deram outro apelido para o texto: PL da Grilagem.
Para esse grupo, o projeto não apenas não beneficia pequenos proprietários como incentiva grandes posseiros a continuar suas ocupações. O tamanho das propriedades que podem ser regularizadas por autodeclaração e remotamente (sem fiscalização in loco) quadruplica. Para piorar, afirmam as pesquisadoras Cristina Leme Lopes e Joana Chiavari, da Climate Policy Initiative (CPI), permite que desmatadores ilegais de terras públicas regularizem terras invadidas sem o compromisso de regularizar os passivos ambientais. “O parecer só exige a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) para áreas que foram autuadas pela fiscalização, mas menos de 1% do desmatamento ilegal na Amazônia é objeto de autuação”, alertam as pesquisadoras em uma nota sobre o texto.
Na última quarta-feira útil do ano no Congresso, 15 de dezembro, as Comissões de Meio Ambiente e Agricultura do Senado tinham sessão conjunta prevista para fazer avançar o texto. Segundo a bancada ruralista, havia acordo para votar depois de concessões feitas como a mudança do marco temporal para 2016 e a redução do tamanho de áreas regularizáveis remotamente – a intenção original era tornar a autodeclaração possível para ainda mais proprietários. Para os ambientalistas, o texto continuava muito ruim, e pior do que a versão que chegou da Câmara. Mas, na dúvida, armaram-se para o combate. Emitiram notas, mobilizaram assessores, pressionaram senadores.
Durante a terça-feira, Jaques Wagner garantia a interlocutores que nada passaria, nem o PL da Grilagem nem o da Boiada, outro projeto polêmico em tramitação nas comissões. Acir Gurgacz, por sua vez, dizia que o primeiro tinha acordo, sim, para passar. No começo da noite, a sessão do dia seguinte foi cancelada, e os projetos voltaram para as gavetas pelo menos até o ano que vem.
Naquele mesmo momento começou a votação no Senado para a vaga aberta no Tribunal de Contas da União (TCU). Ruralista e ex-presidente da CNA, Kátia Abreu (PP-TO) foi atrás de votos da esquerda para desbancar os concorrentes, Fernando Bezerra (MDB-PE) e Antonio Anastasia (PSD-MG). “De repente, ela se tornou a maior ambientalista da Casa”, ironizaram assessores diante das negociações que ela entabulou com Wagner e o PT. Sugeriu-se que ela deixou de apresentar o relatório do PL da Boiada em troca de votos para o TCU. Do lado dos ruralistas, comentou-se que ela acenou com a possibilidade de apresentar o relatório justamente para conquistar o apoio do governo. Seja como for, ela perdeu a vaga para Anastasia e não apresentou o relatório.
O PL da Boiada, também conhecido como a “mãe de todas as boiadas”, que passou na Câmara em maio, flexibiliza o licenciamento ambiental. Ele enfraquece ou chega a extinguir, em alguns casos, a exigência de licenças para cultivo de espécies de interesse agrícola, pecuária extensiva e semi-intensiva e pecuária intensiva de pequeno porte. Para um conjunto de organizações não governamentais, “trata-se da pior e mais radical proposta já elaborada no Congresso sobre o assunto”. Kátia Abreu não apresentou oficialmente sua versão para o texto.
“A pressão da sociedade civil organizada foi muito forte em cima dos dois temas, e também a pressão por parte de embaixada de países sobretudo da Europa”, observou André Lima, consultor e ambientalista. “A gente teve notícias de comunicados do exterior para o Ministério de Relações Exteriores, para a relatora Katia Abreu, que também é presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, para o presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco. Com pouco tempo para debater e votar, o cenário não foi favorável para um acordo, mesmo tendo a bancada ruralista e o governo uma certa predominância sobre as pautas.”
Na Casa ao lado, os últimos dias do ano também serviram para a tentativa de emplacar projetos controversos, que agradam a determinados grupos de apoio ao governo Bolsonaro. Com a anuência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a maioria dos líderes partidários decidiu incluir na pauta de quinta-feira, 16 de dezembro, nas horas finais do ano legislativo, um projeto conhecido como Pacote do Veneno. O texto muda a regulação para aprovação de agrotóxicos, tornando o processo mais curto e rápido. Aprovado em comissão em 2018, o projeto acaba com restrições a agrotóxicos com características teratogênicas (ou seja, que causem anomalias no útero e malformação no feto), cancerígenas ou mutagênicas. Com a sua eventual aprovação, deixa-se de se referir oficialmente a agrotóxico como tal, e o termo usado passa a ser pesticida. Durou poucas horas: o barulho nas redes sociais foi grande contra o pacote, e a Câmara recuou, tirando o projeto da pauta. Lira também anunciou a intenção de votar a regularização dos chamados jogos de azar (cassinos, bingo, bicho). A bancada da bala – frente da segurança pública – quer que a arrecadação decorrente da legalização dessas atividades seja destinada à área. Mas os evangélicos são contra a proposta e fizeram o presidente Jair Bolsonaro prometer que a vetaria caso aprovada. Lira, então, sinalizou com a possibilidade de votar medida para isentar igrejas do pagamento de IPTU.
Na Câmara, tentou-se ainda fazer andar um novo Código de Mineração, para reeditar o texto da ditadura militar ainda em vigor. O projeto em discussão num grupo de trabalho poderia começar a tramitar na Câmara, mas ainda não houve acordo para tanto. Segundo ambientalistas, ele não impõe restrições à pesquisa minerária em terra indígena ou unidade de conservação, dispensa licença ambiental nos casos em que não se exige estudo prévio de impacto ambiental – ou seja, a maioria das pesquisas minerárias, passo anterior à exploração propriamente dita. “A reforma do código de 1967 não pode ser feita assim, no apagar das luzes das atividades do Congresso Nacional e por um grupo de parlamentares que representa de forma acintosa os interesses do setor”, criticou Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Outra polêmica foi provocada pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que incluiu na pauta da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, presidida por ela, um projeto de lei para autorizar a caça esportiva no país. A justificativa do texto é o controle de javalis, mas defensores dos animais argumentam que o projeto coloca em risco outras espécies. A oposição conseguiu retirar o projeto da pauta, pelo menos por enquanto.