No ano em que o cinema brasileiro conquistou o primeiro Oscar com Ainda estou aqui, outros títulos se destacaram em festivais e fora deles, e viraram assunto. Confira um guia para assistir às produções nacionais disponíveis da temporada. Você pode baixá-lo em PDF aqui, mandar por WhatsApp para os amigos, além de dar um print nos filmes que já viu ou quer ver e postar nas redes sociais, marcando @revistapiaui
O agente secreto, de Kleber Mendonça Filho
nos cinemas
Ambientado no Recife de 1977, em plena ditadura militar, o thriller político acompanha a peleja de Marcelo (Wagner Moura), um professor universitário em busca de abrigo em um condomínio de pessoas encurraladas pela ditadura. Logo ao chegar, porém, percebe que a cidade não é o refúgio que esperava. Quem já assistiu (ou vai assistir depois) a Retratos Fantasmas, do mesmo diretor, terá uma história ainda mais completa nas mãos. Idem para quem ler sobre a lenda da perna cabeluda na piauí.
O Festival de Cannes consagrou Moura o melhor ator e Mendonça Filho o melhor diretor. O título cheio de pirraça brasileira virou um hit nas bolsas de aposta do Oscar – o que é um elogio à premiação. A lista mais otimista (para o nosso lado) é a da The Hollywood Reporter, que prevê a indicação como melhor filme, melhor filme internacional, direção, roteiro original e ator.
3 Obás de Xangô, de Sérgio Machado
nos cinemas
Com Lázaro Ramos narrando as cartas que Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé trocavam entre eles, o documentário é um profundo mergulho na Bahia inventada pelos três amigos – em termos de música, artes plásticas e literatura. O filme pode e deve ser visto como uma colagem de fotografias e gravações em áudio e vídeo (inéditas ou não) que cumpre uma curiosa função: mostrar Salvador pela perspectiva do trio de amigos, que, primordialmente, como Jorge Amado faz questão de dizer bem no início, é uma cidade de prostitutas e vagabundos – é daí, aliás, que ele tira fôlego para sua produção literária.
Em julho deste ano, o filme venceu o prêmio de melhor longa-metragem documentário no 24º Grande Otelo do Cinema Brasileiro.
O último azul, de Gabriel Mascaro
nos cinemas
Numa cidadezinha fictícia em algum lugar da Amazônia, Tereza (Denise Weinberg), 77 anos, tenta a todo custo escapar de uma política de exílio forçado imposta aos idosos. O governo, implacável, decide puxar ainda mais a corda: reduz para 75 a idade mínima em que os anciãos devem ser enviados para uma colônia isolada, longe de tudo e de todos. Mas Tereza ainda não se conformou com o destino que lhe empurraram. Quer realizar um sonho: voar de avião. A partir daí, o filme se desdobra em uma distopia delicada. Em sua jornada, Tereza busca a liberdade total: para conhecer o mundo, os outros, a si mesma e, sobretudo, para poder errar.
Vencedor do Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim, O Último Azul teve sua estreia mundial no festival e distribuição em mais de 65 países, além de ter sido exibido em mais de 50 festivais.
Manas, de Marianna Brennand
no Globoplay
Jamilli Correa interpreta Marcielle, uma menina de vida aparentemente monótona, que busca uma forma de escapar da realidade atroz em que está inserida: seu pai é uma ameaça, um homem carrancudo que, estranhamente, faz questão de dormir todas as noites ao seu lado. A menina, embora tente encontrar maneiras de fugir da situação, é obrigada a enfrentá-la.
Premiado no Festival de Veneza e em Cannes, Manas também foi selecionado para representar o Brasil no Prêmio Goya 2026, que acontece em fevereiro.
Oeste outra vez, de Erico Rassi
no Globoplay
Ambientado no sertão de Goiás, Oeste outra vez acompanha Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), dois homens duros e que, após serem abandonados pela mesma mulher, se enfrentam em confrontos que vão muito além de armas: o choque é de orgulho. O filme se destaca pela forma como usa de elementos clássicos do faroeste – tradicionalmente associados ao universo violento dos homens – para mergulhar em temas da vez como a masculinidade tóxica e a fragilidade masculina.
O longa foi premiado com o troféu Kikito de melhor filme no 52º Festival de Gramado
Apocalipse nos trópicos, de Petra Costa
na Netflix
Silas Malafaia é uma figura central no documentário de Petra Costa que captura a influência das igrejas evangélicas na política brasileira, que, depois da eleição de 2018, passou a ser cada vez mais evidente. Costa acompanha desde a candidatura do caricato pastor Cabo Daciolo até a intentona golpista de 8 de janeiro, entrevistando fiéis e líderes que têm variadas considerações sobre os rumos político-sociais do país.
O documentário conquistou o prêmio de melhor longa-metragem documental na 45ª edição do Festival Internacional de Havana e está entre os favoritos à indicação ao Oscar de melhor documentário em 2026, também segundo o querido Hollywood Reporter, que está deixando a gente sonhar.
Ritas, de Oswaldo Santana e Karen Harley
no Globoplay
Sem depoimentos de amigos e familiares, o documentário apresenta Rita Lee na última entrevista que a cantora deu em 2019, quatro anos antes de sua morte. Como ela própria sinaliza, a dupla de diretores a capta no melhor momento de sua vida – anos depois da aposentadoria dos palcos, vivendo com seus netos (num trecho, ela e a neta escutam juntas um funk proibidão) e ao lado do companheiro Roberto de Carvalho, flagrado em vários momentos agoando plantinhas pelo jardim. O filme é divertido e comovente, de uma originalidade ímpar.
Homem com H, de Esmir Filho
na Netflix
A cinebiografia acompanha a trajetória de Ney Matogrosso, desde a infância até os dias atuais, revisitando os principais momentos da vida e da carreira de um dos artistas mais marcantes da música brasileira. O filme percorre suas transformações pessoais e profissionais, suas relações afetivas (incluindo o romance com Cazuza) e o impacto de sua criação familiar, especialmente a relação com o pai, apresentada logo nas primeiras cenas. Interpretado por Jesuíta Barbosa, Ney é retratado em sua busca por liberdade e com a firmeza característica de quem, desde muito jovem, já sabia quem era.
O filme arrastou mais de 600 mil espectadores aos cinemas e, após ser disponibilizado pela Netflix, alcançou mais de 190 países.
Baby, de Marcelo Caetano
no Globoplay
Wellington e Ronaldo formam um casal nada convencional composto por um rapaz que acaba de sair de um centro de detenção e um garoto de programa. No entanto, reside nessas duras realidades uma beleza desconcertante, tema central de Baby – que é também o nome adotado por Wellington para suas futuras empreitadas. Os dois, ao longo do tempo, acabam em uma paixão rodeada de perigo e ambiguidade, enquanto sobrevivem em uma São Paulo do submundo.
Baby conquistou o prêmio principal da Première Brasil do Festival do Rio, além de Melhor Ator (João Pedro Mariano), Melhor Direção de Arte (Thales Junqueira) e Prêmio Especial do Júri. No 77º Festival de Cannes, Ricardo Teodoro, que depois fez sucesso como o Olavinho da novela Vale Tudo, foi eleito Melhor Ator Revelação na Semana da Crítica.
Kasa branca, de Luciano Vidigal
no Globoplay
Em seu primeiro longa de ficção solo, Luciano Vidigal lança um olhar afetuoso sobre a juventude da periferia urbana: jovens pretos que precisam se virar para pagar as contas e cuidar dos seus, mas que, apesar dos aperreios diários, ainda se permitem sonhar, fumar um baseado e dançar. Kasa Branca diz muito sobre amadurecer depressa demais, sem esquecer que o tempo não perdoa ninguém e a vitalidade da juventude não dura para sempre. Logo nos primeiros trinta minutos, uma frase dita por Dé (Big Jaum) captura o espírito do filme: “Vamos zoar a porra toda com a minha avó!” Dé é um jovem negro da periferia do Rio de Janeiro que cuida sozinho de Dona Almerinda (Teca Pereira), em estágio avançado de Alzheimer. A mulher depende inteiramente da atenção do neto, que, por isso, não consegue arrumar emprego e acumula meses e meses de aluguel atrasado.
Venceu o Troféu Redentor de Melhor Direção de Longa-Metragem de Ficção no Festival do Rio 2024. Destacou-se no Festival do Rio com prêmios de Melhor Fotografia e Melhor Ator Coadjuvante.
Um lobo entre cisnes, de Helena Varvaki e Marcos Schechtman
Disponível para compra ou aluguel
Thiago Soares, um jovem morador do subúrbio carioca, deixa para trás os passos de hip-hop para se dedicar ao balé clássico. Aos 17 anos, passou a integrar a companhia de dança do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Mais tarde, conheceu Dino Carrera, que se tornou seu mentor. A cinebiografia acompanha o brasileiro até o estrelato, quando conseguiu o posto de primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres, em 2006.
A melhor mãe do mundo, de Anna Muylaert
na Netflix
Gal (Shirley Cruz), uma catadora de recicláveis, tem dois filhos e vive com o marido (Seu Jorge), que representa uma ameaça constante. Para fugir das agressões, ela decide sair de casa com destino a Itaquera, onde mora sua irmã. Uma caminhada que ela faz acompanhada dos pequenos Rihanna e Benin, que entendem o trajeto apenas como uma aventura.
No Festival de Guadalajara deste ano, o filme conquistou os prêmios de Melhor Roteiro, Melhor Fotografia e Melhor Interpretação (Shirley).
Vitória, de Andrucha Waddington
no Globoplay
Baseado numa história real, Vitória (Fernanda Montenegro) é uma mulher na casa dos 80 anos que vive sozinha em seu apartamento. Da janela de casa, consegue ver a movimentação intensa de traficantes que agem no morro atrás do prédio, em Copacabana, coagindo moradores e ostentando metralhadoras. Depois de uma ida à delegacia que não dá em nada, ela compra uma câmera amadora e decide filmar por conta própria toda a criminalidade. Com ajuda do jornalista Flávio Godoy, as gravações vêm à tona e sua vida é transformada radicalmente.
O filme ultrapassou 500 mil espectadores nos cinemas brasileiros, arrecadando mais de 10 milhões de reais em bilheteria. Também venceu o Prêmio do Público no 4º Festival de Cinema Brasileiro em Lima.
Perrengue fashion, de Flávia Lacerda
nos cinemas e Prime Video
Paula Pratta (Ingrid Guimarães), uma influenciadora que vem tentando se estabelecer no ramo de moda, tem de largar tudo às vésperas de uma grande campanha de Dia das Mães porque seu filho sumiu.
O Brasil que não houve: as aventuras do Barão de Itararé no reino de Getúlio Vargas, de Arnaldo Branco e Renato Terra
no Curta!On
O filme conta a história tragicômica do jornalista gaúcho Apparício Torelly, ou Apporelly (1895-1971), que se notabilizou no jornalismo por suas sátiras ferrenhas ao seu maior algoz, o presidente Getúlio Vargas, uma das figuras mais controversas da história brasileira, tão amado, tão odiado. Criador do semanário A Manha (uma piada com A Manhã, um jornal diário da época que se levava a sério), Apporelly foi inovador e revolucionário, com um inesgotável repertório de trocadilhos sagazes, como “Getúlio Dor Neles Vargas”. Pelas mãos do humorista, o lema integralista “Deus, pátria e família” virou “Adeus, pátria e família” – nada mais atual.
O texto bem-humorado do documentário – narrado por Gregorio Duvivier, perfeito no tom irônico – foi escrito por Arnaldo Branco e Renato Terra, que juntos também assinam a direção. O filme nos relembra quem somos, de onde viemos e como, aos trancos e barrancos, o Brasil deu no que deu.
O longa estreou na Festa Literária de Paraty e foi posteriormente exibido no Festival do Rio, como parte da programação da Premiére Brasil.