Foi uma manhã típica dos “bons tempos” da Lava Jato. Cerca de vinte repórteres se aglomeravam na portaria da Justiça Federal do Paraná, à espera de Marcelo Odebrecht, que deixara a prisão havia poucos minutos, e estava ali para colocar a tornozeleira eletrônica. Do lado de fora das grades, cinegrafistas mantinham olhos atentos e trocavam cotoveladas cada vez que um carro de vidros escuros saía pelo portão, tentando uma foto do empreiteiro. Do lado de dentro, nas escadas do prédio onde Sérgio Moro trabalha, o agente Newton Ishii, o “Japonês da Federal”, acompanhava tudo de longe. Usava o uniforme preto destinado a operações especiais, a roupa de gala dos agentes da PF. Alguns transeuntes gritavam seu nome e tiravam fotos, enquanto os repórteres batiam papo para matar o tempo. Depois de horas de espera, agentes encapuzados empunhando fuzis abriram caminho entre a pequena multidão para a passagem de dois camburões da Polícia Federal e dois Toyotas Corolla da Odebrecht, com vidros totalmente escuros, para impedir imagens do empreiteiro. Pouco tempo depois, já no início da tarde, o empresário embarcava num jato fretado rumo a São Paulo, numa tarde nublada e um tanto fria até mesmo para o verão de Curitiba. Encerrava-se ali um ciclo, e não apenas para o grupo de repórteres que gravitam em torno da operação Lava Jato, agora órfãos de seu principal personagem.
O clima é de fim de festa. Já faz tempo que a República de Curitiba não produz ações de impacto. Com os processos sobre os desvios na Petrobras chegando ao fim, as notícias do caso teriam mesmo de vir de Brasília, onde ainda tramitam os inquéritos e processos envolvendo autoridades com foro privilegiado. A maioria deles está sob a égide do Supremo Tribunal Federal, de onde só saem ultimamente jatos de água fria contra a operação.
Na mesma semana em que Marcelo Odebrecht deixou a prisão, o Supremo arquivou inquéritos contra quatro políticos acusados de receber propina de empreiteiras envolvidas na Lava Jato. De acordo com os ministros Gilmar Mendes e José Dias Toffoli, da segunda turma do Supremo, o conteúdo das delações e documentos com anotações de operadores como Paulo Roberto Costa não foram consideradas provas robustas contra os parlamentares Benedito e Arthur de Lira, do Partido Progressista de Alagoas, respectivamente pai e filho, Dudu da Fonte, do PP de Pernambuco, e o petista José Guimarães, do Ceará. Com a turma desfalcada, sem os ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, Mendes e Toffoli formaram maioria contra Edson Fachin, o relator, que defendia o prosseguimento das investigações.
Hoje, ao mesmo tempo em que Marcelo Odebrecht recebia a tornozeleira eletrônica e um carregador extra para cumprir o que lhe resta de pena – dois anos e meio de prisão domiciliar, mais dois anos e meio de regime semiaberto e o mesmo período em regime aberto –, Mendes determinou, por liminar, o fim das conduções coercitivas. Para o ministro, esse tipo de medida, uma das marcas registradas da Lava Jato, é inconstitucional. A menos que o plenário do Supremo a derrube, a decisão será mais um golpe na operação.
Trata-se do mesmo Gilmar Mendes que tem mandado para casa os réus da Lava Jato cujas prisões preventivas passam por seu crivo. Quando na Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot pediu a suspeição do ministro por ter concedido habeas corpus a três réus: o empresário de ônibus Jacob Barata Filho, o ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro, Lélis Marcos Teixeira, e o ex-bilionário Eike Batista. Mendes foi padrinho de casamento da filha de Barata, e sua mulher, Guiomar, foi sócia de um escritório que defende Batista. A análise da suspeição do ministro, porém, está suspensa por um pedido de vistas de Raquel Dodge, sucessora de Janot, eleita com apoio do mesmo Mendes.
Não se sabe ao certo quando Dodge dará sua opinião e dirá a que veio. Isso porque desde que assumiu, em setembro, a procuradora está revisando os processos deixados pelo antecessor para decidir se dá prosseguimento às denúncias contra investigados no caso Odebrecht e também no da JBS. É verdade que Janot saiu da Procuradoria com a imagem abalada pelos problemas acumulados na negociação com a JBS – o que faz com que o caso mereça uma avaliação criteriosa. E é verdade também que o fato de a equipe de Janot ter deixado o gabinete da Procuradoria atrapalha a memória dos casos e atrasa qualquer decisão. Independentemente da razão, porém, a demora serve a um argumento muito em voga ultimamente em Brasília, expresso por um dos investigadores mais envolvidos com a Lava Jato na capital federal. “O discurso que tem vingado nos bastidores é o de que os ânimos têm de se acalmar e de que é preciso ‘ter juízo’. É uma espécie de ‘deixa disso’ geral, um sentimento de que não é mais pra investigar tudo e todos.” Até a CPI da JBS, comandada pelo governo, terminou sem indiciamentos de impacto, o que demonstra que o argumento tem aceitação.
O fato é que, quanto mais Dodge demora, mais as coisas se acalmam. E mais se reforça o clima de fim de festa. Não fosse o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcado para 24 de janeiro, que ainda promete tensão e polêmica, não seria exagero dizer que a Lava Jato está em seu capítulo final. Enquanto se diminui o ímpeto investigativo, prepara-se o epílogo dessa história, que virá em 2018 e será pautado pelo processo eleitoral. Mas nem o japonês estará mais na Federal para assistir. Ele está se aposentando. Marcelo Odebrecht está entre os últimos presos a tê-lo como companhia na saída da carceragem da PF em Curitiba.