“Émais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.” A frase – quase sempre atribuída ao teórico marxista Fredric Jameson – reverbera mais a cada ano que passa, até porque hoje o fim do mundo parece mais fácil de imaginar do que muitas outras coisas. Distopias são lançadas a rodo, parte de um gênero tão previsível e regular quanto as sitcoms da década de 1990. Séries medievais sangrentas atendem menos a um interesse por história do que aos nossos apetites milenaristas, aguçados por imagens dantescas de florestas e monumentos queimando, enchentes arrastando vilarejos, lampejos de mísseis na timeline.
Fin del Mundo – uma banda de rock formada por quatro jovens mulheres argentinas – nada tem a ver com esse terror, mas parece de alguma forma responder a ele, com um som cujo apelo primordial reside na nostalgia. Com bateria, baixo, e duas guitarras (uma combinação de instrumentos por si só antiquada), as canções do grupo remetem ao indie rock da década de 2000-10, mas com um tom saudoso peculiar, fruto da autoconsciência de alguém que sabe ter chegado tarde a uma festa que já acabou (The Strokes, banda-símbolo daqueles tempos, já eram um grupo retrô).
O álbum Todo va hacia el mar, de 2023, abriu o caminho para as quatro argentinas na cena alternativa, tanto no país delas como no Brasil, onde em março de 2024 fizeram uma turnê. Mas a melhor porta de entrada para conhecer a banda é o show ao vivo que fizeram para a rádio americana KEXP, famosa por promover apresentações de grupos musicais em ascensão. No show, disponível no YouTube, a mixagem um pouco mais suja e permissiva faz com que o delay das guitarras, a linha de baixo, e o vocal inconspícuo e delicado de Lucía Masnatta se misturem sem limites tão definidos como na gravação de estúdio. Essa falta de hierarquia entre instrumentos e voz conversa com outros aspectos das canções da banda, que em geral evitam refrões e às vezes têm passagens instrumentais mais longas. Ainda assim, as músicas não duram mais de três ou quatro minutos. O single La Noche é um exemplo perfeito dessa combinação paradoxal entre concisão indie e uma veia mais evocativa.
A ambiência do show também é um ponto alto. As vidraças transparentes do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, dando para o horizonte da cidade, realçam a sensação de expansividade gerada pela música (como se ela devesse ser ouvida na estrada), de modo que outro aspecto do nome da banda – a referência geográfica à Patagônia, região de nascença de duas integrantes – fica mais evidente. É uma referência fundamental, esse outro fim do mundo: um lugar de geleiras e paisagens imemoriais, avesso à corrupção do tempo.