Autor de e vários outros romances fundamentais da língua francesa, Flaubert era um perfeccionista que retrabalhava seus textos à exaustão, e que influenciou quase todos os grandes escritores do século XIX e XX, que o leram, admiraram e muitas vezes imitaram.
Flaubert viveu a maior parte de sua vida em sua casa de Croisset, na Normandia, e não chegou a gozar em vida do imenso prestígio que sua obra lhe trouxe mais tarde.
Seu momento de maior notoriedade, algo indesejada, veio aos 35 anos, com o escândalo da proibição de , romance julgado imoral pela censura, proibição que Flaubert conseguiu reverter com um processo hoje famoso.
Em 1869, quem era já tido como o maior poeta vivo da França era sem dúvida Victor Hugo, auto-exilado na ilha inglesa de Guernesey em protesto contra o longo regime de Napoleão III, que durou dezoito anos, de 1852 a 1870. Victor Hugo era referência para todos os escritores, não só pela extraordinária qualidade de sua obra literária, mas também pela coragem de sua postura política contrária a ditadura imposta pelo imperador.
Hugo e Flaubert tinham relações cordiais, mas distantes, e a notoriedade crescente deste último fez com que Hugo lhe destinasse um exemplar de seu recém publicado O homem que ri.
A carta reproduzida nesta página é o agradecimento de Flaubert, uma das missivas mais marcantes trocadas entre dois gênios da literatura, tornada excepcional pelo tom exagerado que Flaubert resolve dar à sua manifestação:
“Senhor e caro Mestre
Recebi há alguns dias apenas O homem que ri, e é por esse motivo que não lhe agradeci mais cedo. Esta lembrança de sua parte encheu-me de orgulho. Não levarei a insolência ao ponto de me permitir enviar-lhe as mostras de minha admiração. Quando o senhor aparece, devemos prosternar-nos. Permaneço, ó Mestre, seu muito humilde, afetuoso e devotado, G. Flaubert, Croisset próximo de Rouen, 10 de Julho de 1869”.
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Flaubert mais parece um escritor iniciante inclinando-se diante de seu mestre, o que sabemos hoje era já um grande exagero em 1869, quando Flaubert já tinha uma reputação considerável.
Se lembramos que, na apreciação atual, sua estatura é ainda superior à de Victor Hugo, a interpretação da carta torna-se ainda mais saborosa.
As cartas de Flaubert são abundantes, mas uma troca literária entre dois gigantes como a que é representada nesta folha de papel, é sempre objeto de grande interesse tanto por parte dos colecionadores particulares, quanto das instituições que preservam os manuscritos da literatura mundial.