O Foro de Teresina ficou no ar por quase sete horas ininterruptas no domingo de eleições municipais. Em live transmitida nas redes sociais da piauí e no YouTube, Fernando de Barros e Silva, Malu Gaspar e José Roberto de Toledo receberam convidados para discutir o resultado das urnas nas principais capitais. Na reta final da transmissão, o trio fez um balanço geral do que foi essa eleição: que partidos saíram ganhando ou perdendo, quais foram as maiores surpresas e quais as implicações disso tudo para o governo Bolsonaro.
Esse saldo geral da eleição já está disponível nos tocadores de podcast e no site da piauí:
A íntegra da transmissão ao vivo está disponível no YouTube. Ao longo dos próximos dias, o vídeo da live será publicado em partes separadas por assunto e por convidado.
O primeiro convidado a participar do programa foi Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital. Ele discutiu o papel da internet na eleição municipal. Segundo ele, este ano as redes sociais não chegaram nem perto de repetir o protagonismo que tiveram em 2018. “Os grupos de direita e extrema direita que surgiram desde antes de 2013 continuam mobilizados e capilarizados. Mas é difícil transformar pautas nacionais em pautas locais – a não ser em casos pontuais, como ataques promovidos contra o Boulos, em São Paulo.”
Uma das novidades dessa eleição, explicou Gomes, foi o bom desempenho de candidatos da esquerda nas redes sociais. “A Manuela D’Ávila [candidata à prefeitura de Porto Alegre pelo PCdoB] é vanguarda digital. Ela tem iniciativas voltadas para essa área desde a época em que era deputada. E o Boulos é, de fato, a surpresa. Parece uma criatura digital, enquanto os outros candidatos parecem criaturas que se adaptaram ao mundo digital.”
Depois de Gomes, foi a vez de Pablo Nunes se juntar à conversa, para falar sobre a violência contra candidatos. Ele é cientista político e coordenador adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Há meses, Nunes vem compilando dados sobre atentados e homicídios contra candidatos a prefeito e vereador nas eleições deste ano. Os dados são impressionantes: ao menos 84 políticos foram mortos no Brasil em 2020. Houve ainda mais de uma centena de ataques. Pernambuco é o estado com mais casos.
“Os dados de Pernambuco são impressionantes. Foram treze políticos mortos este ano. Em Gameleiras, cidade da Zona da Mata pernambucana, dois vereadores de oposição foram assassinados. A Câmara Municipal da cidade só tem nove vereadores”, contou Nunes.
O número de atentados contra políticos disparou nas semanas que antecederam o primeiro turno da eleição. “Só em novembro, foram 25 ataques contra candidatos a prefeito. Foi um crescimento muito grande, totalmente fora da curva.” As motivações desses crimes, segundo Nunes, raramente vêm à tona. “A maior parte desses casos não é investigada. Quando é, a investigação se arrasta por vários anos, haja visto o caso da Marielle Franco. O fato é que a maioria dessas mortes tem dinâmica de execução: muitas vezes o que a gente vê são criminosos que passam de moto, atiram e saem sem roubar nada.”
Na sequência, para tratar do avanço de pautas evangélicas na eleição municipal, o trio de apresentadores recebeu Carô Evangelista, diretora-executiva e pesquisadora do ISER, o Instituto de Estudos da Religião. Ela explicou que, até aqui, a eleição de 2020 dá prosseguimento à onda conservadora que tomou o Brasil nos últimos anos, e que as bandeiras evangélicas compõem esse caldo. “Na disputa pelo Legislativo, a gente tem visto uma continuidade da mobilização de pautas morais ligadas à ordem e à defesa da família.”
Evangelista ressaltou que o segmento evangélico não se reduz a pautas conservadoras, e que essa visão muitas vezes contamina a forma como a esquerda lida com essa fatia da população. “Os evangélicos estão crescendo em todas as classes sociais, mas são um grupo majoritariamente negro, feminino, urbano, periférico e de baixa renda. Então, no Brasil, falar com os evangélicos é falar com a classe popular”, afirmou a pesquisadora.
Na sequência, Thiago Amparo se juntou à transmissão. Professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) e colunista da Folha de S.Paulo, ele discutiu a desigualdade racial na política brasileira. Em outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os partidos devem passar a respeitar, a partir deste ano, uma cota financeira para candidatos pretos e pardos. Segundo Amparo, essa nova lei, embora não tenha sido cumprida por todas as legendas, pode ajudar a dirimir a desigualdade no acesso a verbas de campanha.
“Neste ano nós tivemos um recorde de candidaturas negras. Mas, ao mesmo tempo, existe um histórico de super financiamento de candidaturas brancas no Brasil e um baixo financiamento de candidaturas negras.” Isso se reflete nas taxas de sucesso eleitoral. Em 2016, segundo Amparo, candidatos brancos tiveram o dobro de chance do que os negros de serem eleitos nas capitais brasileiras. “Por isso é importante a determinação de cotas de candidatos negros por partido, já que isso pode quebrar com o gargalo que temos hoje.”
Camila Rocha entrou para a conversa logo depois, para discutir como a onda da “nova direita” desaguou na eleição de 2020. Cientista política e pesquisadora do Cebrap – o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento –, ela estuda o comportamento de eleitores nas periferias das cidades e como as pautas da direita atingem essa fatia da população.
Segundo Rocha, o impacto do auxílio emergencial sobre a eleição deste ano é difícil de ser mensurado. Um dos aspectos que ela pôde observar, ao fazer entrevistas com eleitores nas periferias de São Paulo e Rio de Janeiro, é que boa parte das pessoas que recebem o auxílio não veem esse dinheiro como uma “benfeitoria” por parte do governo federal. “As pessoas que nós entrevistamos veem o auxílio como algo que o governo obviamente teria que providenciar. Elas não veem o Bolsonaro como um benfeitor por ter aprovado isso.”
A repórter da piauí Thais Bilenky se juntou à transmissão para discutir o resultado nas capitais onde a apuração já estava avançada às 19 horas. Em seguida, participou da entrevista com o próximo convidado da noite: Renato Sérgio de Lima, professor da FGV e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Lima conversou com os apresentadores sobre o que ele chama de “partido policial”: o contingente cada vez maior de militares que tem se lançado na política, surfando a onda conservadora dos últimos anos. Somando todas as eleições brasileiras desde 2010, ele contabilizou ao menos 25 mil candidaturas de policiais e membros das Forças Armadas para todos os cargos no Brasil. Na eleição municipal deste ano, houve uma profusão de candidaturas de policiais. Às 20 horas de domingo, apontou Lima, das 25 capitais onde houve eleição para prefeito, doze tinham policiais entre os três primeiros colocados.
Bernardo Esteves, repórter de ciência da piauí e apresentador do podcast A Terra é Redonda, entrou na conversa para discutir como a pandemia influenciou a eleição para prefeito nas capitais. Segundo ele, os dados mostram que os prefeitos que tiveram bom desempenho em combater a pandemia acabaram sendo recompensados nas urnas.
“De maneira geral, a tendência é que, nas cidades que tiveram menor número de mortos por 10 mil habitantes na pandemia, o candidato da situação tenha resultado favorável na votação”. Dois exemplos se destacam: o de Alexandre Kalil (PSD), em Belo Horizonte, e o de Gean Loureiro (DEM), em Florianópolis. Ambos se reelegeram em primeiro turno neste domingo, após terem atuação elogiada durante o pico da pandemia em suas cidades.
Para discutir como a pandemia influenciou no comportamento do eleitorado, o Foro recebeu Maurício Moura, pesquisador da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, e CEO do Ideia Big Data, empresa de pesquisas e estratégia digital. Segundo ele, o que as pesquisas mostravam desde o início da campanha – e que em boa medida foi confirmado nas urnas – é que esta seria uma eleição de continuidade. A gestão da crise de saúde causada pela pandemia deu força, mais do que o normal, aos candidatos de situação.
“As prefeitas e prefeitos bem avaliados ou estão sendo reeleitos ou estão emplacando sucessores. Com a pandemia, os prefeitos ganharam protagonismo, exposição”, afirmou Moura. “Em São Paulo, por exemplo, o prefeito Bruno Covas passou a ser muito mais conhecido pela população por causa dessa gestão de crise. E mesmo os prefeitos mal avaliados, como o Crivella, no Rio de Janeiro, ganharam uma sobrevida com a pandemia.”
A reta final da transmissão ficou a cargo de três cientistas políticos. Soraia Vieira, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), discutiu o desempenho eleitoral dos “partidões” – isto é, as legendas com maior número de filiados e maior bancada no Congresso, como PT, MDB e PSDB. “O PT foi um dos partidos que mais lançou candidatos na eleição deste ano. Aumentou mais de 20% em relação à eleição passada”, apontou Vieira. Segundo ela, no entanto, os petistas ainda não se recuperaram do baque de 2016, e devem conseguir emplacar pouquíssimas cidades importantes na eleição deste ano.
Daniela Campello, professora da FGV, lançou luz sobre como o bolsonarismo se saiu nessa campanha. A derrota da maior parte dos candidatos apoiados por Bolsonaro, afirmou a cientista política, é prenúncio das dificuldades que o presidente terá em mobilizar suas bases em 2022. A maré conservadora e antipetista que o levou ao Planalto pode não se repetir daqui a dois anos. “Vai ser muito mais difícil para o Bolsonaro fazer da próxima eleição um referendo sobre o PT, como foi em 2018, com Dilma recém-impichada.”
O balanço final coube a Jairo Nicolau, cientista político e pesquisador do Cpdoc – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV. Para ele, a eleição deste domingo marcou o fim da onda antipolítica que se propagou no Brasil desde a campanha de 2016. “Esse tema agora desapareceu. Estou vendo a apuração e parece que nós voltamos à política como ela sempre foi. São partidos tradicionais na disputa, alguns perdendo, outros ganhando, mas tudo está dentro desse enquadramento.”
Nicolau reforçou que Bolsonaro sai, desde já, como um dos grandes derrotados da eleição. “Ele poderia ter criado, depois da eleição de 2018, um movimento político orgânico de direita em torno do PSL, e isso se espraiaria pelos municípios nesta eleição de 2020. O PSL é um dos partidos com mais dinheiro de fundo partidário, hoje tem uma grande estrutura. Mas não aconteceu nada disso”, afirmou. “Agora o PSL está se desintegrando, e o Aliança pelo Brasil é um desastre. O Bolsonaro tem muito pouco a comemorar nesta eleição.”