Em depoimento a Luigi Mazza
Assim que acordei hoje, liguei o celular e vi várias mensagens no grupo da minha empresa. Meus colegas estavam dizendo para evacuarmos Kiev, porque uma parte da cidade tinha sido bombardeada pelos russos, havia tropas ucranianas por ali e estávamos em guerra. Simplesmente peguei minha mochila, vesti o casaco e saí de casa. Deixei tudo para trás. Comecei a ligar para pessoas que eu conhecia e andei em direção à casa de amigos meus que também trabalham aqui na cidade.
Vivo na Ucrânia desde agosto de 2020. Moro sozinho e trabalho numa empresa de marketing, junto com vários outros imigrantes. Quando saí da minha casa, que fica numa região central de Kiev, a cidade estava extremamente vazia. Tinha um trânsito enorme, com ambulâncias passando o tempo todo. Está um caos aqui. Nunca vi algo assim na minha vida. A gente não está acostumado a esse tipo de coisa no Brasil. É uma situação muito triste.
Chegando na casa de um amigo, por sorte conseguimos achar um motorista de Uber – um anjo que nos salvou aqui. Neste momento [16h30 no horário de Brasília, 21h30 no horário da Ucrânia] estamos no carro, presos no trânsito. Já faz oito horas que estamos num engarrafamento imenso saindo de Kiev. Nesse tempo todo só andamos 20 km. A gente está tentando ir para outra cidade, e nosso plano, chegando lá, é pegar um trem, ônibus ou carro que nos leve para Polônia ou Romênia – o que for mais rápido. Estou com um colega franco-português e uma colega ucraniana, além do motorista, que também é ucraniano.
As tensões foram escalando nos últimos dias, mas a gente não achava que seria rápido assim. Eu tinha um voo para pegar hoje. Ia viajar para Copenhagen, passar o fim de semana lá. Comprei a passagem há mais de um mês, não imaginava que nada disso aconteceria. Achei um voo barato, um hotel acessível. Mas aí as notícias começaram a ficar mais intensas, dizendo que haveria uma invasão a qualquer momento, então desisti.
Enquanto tentava sair da cidade, liguei para a Embaixada brasileira uma duas ou três vezes. Falei com uma moça e com outras pessoas que trabalham lá. Recomendaram que eu esperasse, a princípio. Eu não esperei porque tinha várias pessoas indo embora e eu não tinha como sair. Se fosse esperar para ver se algo ia explodir do meu lado eu estava ferrado. Entrei no grupo de Telegram da Embaixada e vi que pediram para que todos ficassem em casa. Mas eu já estava no meio do caminho. Liguei e perguntei: “vocês acham que devo voltar para Kiev ou continuo no Uber?” Eles disseram que, como eu já estava a caminho, era melhor então continuar, porque Kiev agora é um centro de tensão.
Foi desesperador. Não presenciei nenhuma demonstração de violência, mas pelo que vejo nas notícias, e por ter tocado a sirene na cidade, a situação é grave. Ainda está grave, mas, se Deus quiser, a gente vai continuar em segurança. Agora estamos mais tranquilos. Não sei ainda o que vou fazer, se volto para o Brasil ou não. Não estou nem pensando nisso, nas coisas que deixei pra trás. Só quero sair daqui, ficar em segurança e me situar.