Ojulgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima quarta-feira, em Porto Alegre, vai interferir numa sagrada instituição gaúcha: o churrasco. Instalada desde 1984 no Parque da Harmonia, onde também está o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o TRF-4, a tradicional churrascaria Galpão Crioulo terá de fechar as portas por 48 horas. A casa de mil metros quadrados e capacidade para 400 pessoas é destino de turistas por oferecer, além de 20 tipos de carne, shows de música tradicionalista. Ela fica dentro do perímetro de segurança definido pelas autoridades locais para o julgamento.
“Como ocupamos uma área de concessão pública, temos que seguir a determinação da prefeitura. Fecharemos na terça e na quarta”, resignou-se Adalberto Zanatta, proprietário da casa, numa conversa por telefone. Ele discorda e não vê razão para as autoridades locais se preocuparem com a segurança de seu estabelecimento. A churrascaria “é imparcial”, diz o dono. E explica: “Não emitimos opinião. Quem está julgando é quem estudou para isso. Aqui, atendemos maragatos e chimangos, gremistas e colorados, petistas e antipetistas. E sentados lado a lado.”
Não são apenas os turistas que procuram a Galpão Crioulo. O tamanho fez da casa um local frequentemente escolhido por partidos políticos para seus eventos. “Já fizemos festas aqui para o Lula, o Zé Dirceu já esteve aqui. Não deve haver partido para quem a gente não tenha feito festa”, rememorou Zanatta. Prudente, ele preferiu não revelar qual sua torcida para a próxima quarta-feira. Primeiro colocado nas pesquisas eleitorais, Lula recorre ao TRF-4 contra a condenação a nove anos e meio de prisão, em primeira instância, pelo caso do tríplex do Guarujá.
A ideia do gabinete de crise montado por autoridades municipais, estaduais e federais para preparar a cidade para os manifestantes contra e a favor de Lula é isolar todo o perímetro do Parque da Harmonia. Ali, além da Galpão Crioulo e do TRF-4, se localizam as sedes regionais dos ministérios da Fazenda, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Incra, IBGE e do Serpro, do Ministério Público Federal e da Câmara Municipal. “Pedimos que a partir do meio-dia de terça-feira não haja expediente nesses órgãos”, disse o secretário de Segurança Pública gaúcha, Cezar Augusto Schirmer, em entrevista à piauí.
O entorno do Parque da Harmonia deve ser o local mais procurado pelos manifestantes que vêm chegando a Porto Alegre para o julgamento. Apenas o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, espera levar dois mil militantes dos três estados do Sul para acampar na cidade – a primeira escolha para pernoite era justamente o parque, mas isso foi vetado por uma decisão judicial.
“O prejuízo vai ser grande”, avaliou o dono da churrascaria. “Essa já é uma época difícil, o pessoal de Porto Alegre se muda para a praia. Qualquer receita perdida faz falta em dobro”, completou, referindo-se aos porto-alegrenses que saem da cidade no verão, quando ela ganha o apelido de “Forno Alegre”. “Nessa época, a quarta e a quinta são os dias de mais movimento. Na sexta, o pessoal já viaja. E quarta tem muito turismo de negócios por aqui”, disse o empresário, que emprega 40 pessoas e não estimou quanto deixará de ganhar por causa do fechamento. O rodízio na churrascaria varia de 39 a 89 reais, dependendo do horário e da quantidade de carnes.
Mesmo vizinhos da churrascaria, o juiz federal de segunda instância João Pedro Gebran Neto, relator dos processos da Lava Jato no TRF-4, nascido e criado em Curitiba, e seus auxiliares, não costumam dar as caras na Galpão Crioulo. “Mas os advogados que passam pelo tribunal são clientes”, garantiu Zanatta. “Os defensores do Lula, do Zé Dirceu e de outros réus vêm bastante. Talvez porque é perto.”
Pensando na clientela que vai trabalhar no julgamento, o empresário tentaria uma última cartada para manter as portas abertas no dia 24. “Estamos pressionando a prefeitura para podermos abrir e atender os jornalistas credenciados.” Profissionais de todo o país e do exterior chegarão a Porto Alegre para acompanhar a sessão, e parte deles fará a cobertura do lado de fora do prédio do TRF-4. “Aqui perto não tem nada, restaurante, banheiro, para esse pessoal”, argumentou Zanatta.
Nesta quinta-feira à tarde, ele enviou ofício à prefeitura para apresentar seus argumentos – espera uma resposta até amanhã. Nas declarações à piauí, a Secretaria da Segurança Pública foi taxativa. “Eles já sabem que terão que fechar na terça e na quarta-feira”, disse um assessor da pasta. Outro estabelecimento comercial, a Casa do Gaúcho, espaço de eventos para bailes e festas de formatura, está instalado dentro do Parque da Harmonia. Ninguém atendeu aos telefonemas nesta quinta-feira, para descobrir se os proprietários também tentam evitar o isolamento do local.