A notícia publicada segunda-feira foi desalentadora. O diretor artístico da cerimônia do 15º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, inspirado pelo protesto da equipe de Aquarius no Festival de Cannes, pretendia que diferentes extratos da sociedade utilizassem a “noite de gala para se expressar – a começar pelos próprios espectadores” que poderiam “projetar frases num telão usando a hashtag #GpdoCinema”.
A credencial do mencionado diretor artístico, apresentada na própria matéria, é ter sido responsável “pela direção das duas últimas edições do ‘Criança Esperança’”. Pobre cinema brasileiro! Sujeito a ter “manifesto” como tema da sua cerimônia anual de premiação. Mesmo guardadas as devidas proporções, o bom exemplo da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, dirigida por cineastas, parece não ter servido de nada.
Diante da notícia, algumas perguntas eram inevitáveis: quem seria responsável por pretender induzir deliberadamente manifestações na entrega dos prêmios aos quais concorrem filmes de tendências diversificadas? O poder de tomar essa decisão teria sido delegado a alguém pela Academia Brasileira de Cinema?
Quaisquer que fossem as respostas, a escolha do diretor artístico reafirmava a crescente subordinação do cinema brasileiro à televisão, cuja consequência notória vem sendo a perda progressiva de sua identidade e valor próprios. Daí, vem se tornando cada vez mais indiferenciado o que se produz nos dois meios.
Até segunda ordem, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro é uma celebração dos profissionais de cinema – atrizes, atores, técnicos em geral, etc. –, sem distinções de tendências políticas ou artísticas, que participam voluntariamente da Academia e escolhem os colegas premiados através de votação direta. Não é, portanto, ocasião para patrocinar, muito menos estimular, manifestações políticas que, de forma espontânea, ainda que inadequadas, sempre podem ocorrer.
Inadmissível é um profissional contratado para prestar serviços de direção artística se arvorar o direito de dar esse tom a uma festa do cinema brasileiro. O que ele apoia ou não “de maneira apaixonada”, conforme declarou ao Globo, simplesmente não vem ao caso, salvo se tivesse recebido respaldo para isso da Academia, o que não parece possível ter ocorrido.
Atenuando o mal-estar, já na terça-feira (O Globo, 4/10/16), dia da entrega dos prêmios, vozes de bom senso se manifestaram. Luiz Carlos Barreto foi claro: “Qualquer um pode manifestar sua opinião pessoal. Mas a Academia não tem partido.” A advertência, porém, chegou tarde e não conseguiu redirecionar o que fora encaminhado. À noite, através da transmissão feita pelo Canal Brasil, foi possível conferir que prevaleceu o tema definido pelo diretor artístico.
Tivemos, assim, mais uma vez, a sensação de estar diante de um baile de máscaras com figurantes e figurinos de terceira categoria. Impressão que se repete há 15 anos e é devida também a recorrentes e constrangedoras manifestações de falta de compostura. Se a intenção da Academia é valorizar o cinema brasileiro, a cerimônia do Grande Prêmio que promove é um fracasso absoluto.
Quanto aos filmes em si, de forma geral não se confundem com as mazelas da cerimônia, embora ao participarem da premiação não deixem de ser atingidos por respingos do descalabro.