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    Manifestação em prol do governo Bolsonaro reúne milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, em Brasília - Foto: Evaristo Sá/AFP

anais da bolsolândia

Grandes golpes, pequenos negócios

Manifestação em Brasília teve bandeira a 15 reais, invasão da Esplanada e churrasco ao som de Sérgio Reis 

Marcos Amorozo | 07 set 2021_12h35
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Um desavisado pensaria que era Copa do Mundo em Brasília, tal a quantidade de bandeiras do Brasil e de gente vestida de verde e amarelo no Setor Hoteleiro Norte na segunda-feira (6). Não era. Foi naquele dia que os apoiadores de Bolsonaro começaram a chegar. Cumprimentavam-se com acenos e gritos de “aqui é Bolsonaro!”, “mito” e até o insólito “voto impresso e auditável!”. Desde que Bolsonaro passou a convocar seguidores para as manifestações no feriado da Independência, o número de reservas em hotéis, pousadas e hostels na cidade disparou. Grupos bolsonaristas de todo o Brasil partiram em caravanas para a capital federal.

A tarde de segunda-feira foi de 35ºC, sem nuvens no céu, umidade do ar na casa dos 18% – próximo dos 14% comumente registrados no Deserto do Saara. No ar condicionado da churrascaria Sal e Brasa, os fregueses não pareciam se incomodar com o clima desértico: vestidos a caráter como uma torcida organizada, viviam a expectativa do dia seguinte. “Mamãe, o que vamos fazer agora?”, perguntou um menino que aparentava ter uns 7 anos, na saída do almoço. A mãe respondeu na sequência: “Vamos descansar. Amanhã a gente acorda bem cedo para comemorar a nossa independência lá na frente do Congresso”, disse, com a máscara no queixo. 

No outro quarteirão, cerca de vinte homens desciam de um ônibus com placa de Pato Branco (PR) e, com as malas nas mãos, seguiam em direção ao hotel Bittar Inn. Foram recebidos com acenos pelos hóspedes do Byblos Hotel, do outro lado da rua, responsáveis por controlar as caixas de som que ecoavam, em looping, discursos de Bolsonaro. “Quando me perguntam onde eu estarei no dia Sete de Setembro, eu digo que estarei sempre onde meu povo estiver. O povo é soberano e está sendo oprimido por uma minoria”, dizia um dos áudios do presidente. 

Mais adiante, dois homens colocavam a bandeira do Brasil em um HB20 preto. Um deles era Éverton “Bolacha”, vendedor de um dos vários quiosques de bandeiras e camisas armados ao redor dos hotéis. Depois de fixar a bandeira no veículo do cliente, ele recebeu o pagamento feito no cartão e voltou a atender mais apoiadores que passavam por ali. “Qualquer camisa é 50, a bandeirinha de mão é 15, a bandeira grande é 60 e a de capô de carro é 80”, respondeu a um cliente que lhe perguntou os preços. A máscara é o item mais barato, custa 10 reais, e os modelos trazem mensagens como “Eu autorizo, presidente. Este é o sinal” e “Bolsonaro 2022”. 

Para gente como o ambulante, o bolsonarismo é negócio e meio de vida. “A gente faz tudo, desde os desenhos até a estampa. Faço tudo em casa mesmo e depois saio vendendo. Essa é a minha vida há dois anos e meio.” Antes de se especializar em itens bolsonaristas, o vendedor gaúcho costumava ficar na porta de estádios, vendendo camisetas e faixas de times, quando tinha jogo de futebol, ou de artistas e bandas, em dias de show. “Desde que comecei a acompanhar o presidente, eu não parei mais. Onde ele vai eu vou. Daqui, eu vou para o Nordeste e depois para a motociata em Campos Gerais, no interior do Paraná”, contou Éverton. 

Do outro lado do Eixo Monumental, no Setor Hoteleiro Sul, o clima de Disneylândia do bolsonarismo era o mesmo. No final da tarde, um grupo de 35 pessoas vindas de Franca (SP) se organizava na frente de um ônibus para um “city tour” nos principais pontos turísticos de Brasília. “Organiza isso aí direito, gente, vamos formar a fila aqui direito”, dizia o chefe da excursão, que se diferenciava dos demais por vestir uma camiseta branca e um chapéu com a bandeira nacional. “Tem água aqui, mas tá natural, hein! Uma é três, duas é cinco. Comprem duas por cinco pra facilitar no troco”, dizia um outro homem, este de camisa amarela. 

À medida que a noite avançava, os bolsonaristas se sentiam mais e mais à vontade. Carros percorriam as ruas de Brasília buzinando sem parar, com gritos de apoio ao presidente. “É o Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, postou nas redes o ex-deputado Victório Galli (Patriota-MT). “Senhores ministros do STF, com todo o respeito, supremo é o que você está vendo aqui. Supremo é o povo”, acrescentou.. 

O acesso à Esplanada dos Ministérios estava bloqueado para veículos, mas vários caminhões e carros das caravanas bolsonaristas passaram pelo bloqueio da Polícia Militar do Distrito Federal. Não houve resistência da polícia. “Fora STF, vamo invadir, vamo tirar até as mesas”, gritou um manifestante. “Tira tudo”, acompanhou outro. 

Em nota, a Secretaria de Segurança do Distrito Federal reconheceu que houve a invasão. Afirmou que, nas reuniões realizadas previamente com os organizadores dos grupos manifestantes, ficou definido que os maquinários autorizados a participar do ato popular estariam liberados para serem estacionados ao longo da Via N1, na madrugada de terça-feira. Segundo a nota, a Polícia Militar do Distrito Federal logo restabeleceu a situação. O efetivo utilizado não foi informado, por questões de segurança.

 

O Sete de Setembro amanheceu com as vias ao lado da Esplanada todas lotadas de carros e ônibus. Para onde se olhava era possível ver verde e amarelo. Havia também muita gente vestindo as camisas personalizadas de sua excursão, normalmente em fundo escuro com detalhes nas cores da bandeira. Entre crianças, a camisa mais comum era a da seleção brasileira. A Polícia Militar, que prometera fazer revista nos manifestantes, deixou todo mundo passar. Em alguns pontos de acesso à Esplanada nem policiais havia. O local onde os indígenas estavam acampados virou estacionamento de carros, ônibus e motorhomes de bolsonaristas.

Estacionamento para caminhões e motorhomes na Esplanada dos Ministérios – Foto: Marcos Amorozo

 

Por volta das 9 horas, os apoiadores aplaudiram quando Bolsonaro desfilou no Rolls-Royce dirigido pelo ex-campeão de Fórmula 1 Nelson Piquet. A grande maioria dos manifestantes estava sem máscara, mas havia também máscaras de apoio a Bolsonaro. Numa transmissão ao vivo nas redes, o youtuber cearense Mazinho Maia da Net, com empolgação e aos gritos, chamava apoiadores de Bolsonaro para falar ao microfone de espuma amarela. Ele encerrou a transmissão mas logo depois retornou, pois três jovens de Santa Catarina também queriam ser entrevistados. “A gente está defendendo a liberdade e a Constituição do país”, afirmou um deles. “Hoje está aqui a família brasileira representada pelo povo trabalhador que veio protestar justamente contra a violência e o desrespeito contra o presidente da República e aqueles que se manifestam contrários ao STF”, disse outro.

Quando o presidente discursou, num pronunciamento transmitido por suas redes, o barulho era tanto que mal dava para ouvi-lo. “Ou se enquadra ou pede pra sair”, afirmou Bolsonaro, em mais uma ameaça ao Supremo Tribunal Federal. “Com essa fotografia de vocês vou mostrar para onde devemos ir”, afirmou o presidente.

“Você ouviu o que ele falou?”, perguntou uma mulher ao homem a seu lado. “Acho que ele falou que o Lula morreu pra 2022”, respondeu ele. Em frente ao Ministério da Defesa, encostada a uma árvore, outra mulher limpava as lágrimas com a bandeira do Brasil e abraçou o homem ao seu lado. Mais à frente, no estacionamento do ministério, um casal segurava uma faixa pedindo liberdade para o ex-deputado Roberto Jefferson, com uma ilustração de Jefferson em pose heroica. Bolsonaro foi levado de carro até o helicóptero e, pouco depois das 11 horas, deixou o local, sendo aplaudido pelos manifestantes. Os apoiadores começaram a se dispersar, e parte deles se dirigiu aos ônibus estacionados na Via 2, atrás dos ministérios. Na hora da saída, a PM organizou os manifestantes em fila para que eles deixassem a Esplanada de forma ordeira. Alguns ficaram na Esplanada para aproveitar a tarde num churrasco ao som de Sérgio Reis.

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Colaborou Amanda Gorziza

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