O sofrimento e os danos incalculáveis causados à população pelas enchentes no Rio Grande do Sul chocaram e entristeceram os brasileiros. Em 24 de junho, quase dois meses depois do início das chuvas, dados da Defesa Civil do estado indicavam que 2,4 milhões de pessoas em 478 dos 497 municípios haviam sido afetadas de alguma forma pela catástrofe. Até aquela data, 389 mil pessoas se encontravam desalojadas, o número de feridos chegava a 806 e o de mortos a 178.
Além dos impactos humanitários, as enchentes geraram consequências econômicas significativas, que persistirão por um bom tempo. O boletim econômico-tributário do Rio Grande do Sul indica que, logo na primeira semana de maio, quando começaram as chuvas, as vendas na indústria caíram em torno de 42%, comparadas ao mesmo período do ano anterior. Na segunda semana de maio, menos de 40% dos estabelecimentos inscritos no Regime Geral e no Simples Nacional (pequenas e microempresas) operavam dentro da normalidade. Os efeitos também puderam ser sentidos nos preços: a batata subiu 56%, e o tomate, 48%, entre o final de abril e meados de junho.
O poder público se mobilizou para amenizar o impacto devastador da tragédia. Já em 9 de maio, o governo gaúcho calculou que a reconstrução do estado exigiria 19 bilhões de reais (cerca de 25% do PIB de Porto Alegre em 2021). No dia 17 de maio, o governador Eduardo Leite anunciou o lançamento do Plano Rio Grande, com o objetivo de reconstruir as regiões devastadas e ajudar a população. O plano previa o repasse do benefício de 2,5 mil reais para as famílias inscritas no Cadastro Único e de 2 mil reais para cada grupo familiar com cartão SOS Rio Grande do Sul. Também o governo federal anunciou medidas de apoio, entre elas o Auxílio Reconstrução, o Saque Calamidade do FGTS e a antecipação e ampliação do Bolsa Família. Nada disso impediu que o poder público fosse alvo de críticas.
As chuvas revelaram a fragilidade dos governos para atuar em um evento extremo. Soube-se que alertas de chuvas muito fortes foram emitidos com cinco dias de antecedência, mas pouco foi feito. Relatos de especialistas da região indicaram que as chances de ocorrer um desastre de grande proporção eram conhecidas, tornando pouco justificável o longo tempo de reação para acionar as medidas de defesa. Houve também descaso na manutenção das estruturas contra cheias nos rios Guaíba e Gravataí, em Porto Alegre, além de as comportas terem vedação inadequada, os diques de terra se encontrarem deteriorados e as estações de bombeamento não estarem em funcionamento, como enumerou André Luiz da Silveira, professor de hidrologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ao Correio Braziliense. A defesa civil estava despreparada, na visão do professor Gean Michel, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, que ressaltou, porém, que não se pode apontar um único culpado: as três esferas de governo têm sua parcela de responsabilidade.
Diante disso, uma questão central é saber que efeito a tragédia gaúcha terá sobre o voto dos eleitores gaúchos na eleição municipal de outubro. Como a população responderá à dificuldade dos governos de reagirem prontamente às enchentes? O eleitor vai atribuir ao poder público a responsabilidade pela extensão do desastre? Como as comunidades das regiões afetadas se organizarão social e civicamente depois do que ocorreu? São perguntas relevantes não apenas do ponto de vista eleitoral, mas também econômico. Pois, se a economia trata da melhor alocação de recursos escassos, a escolha coletiva de quem irá governar uma região é fundamental: espera-se que o governante aplique os recursos disponíveis de maneira adequada, inclusive para proteger a população contra desastres.
Para descrever como o desempenho de políticos em exercício pode afetar o resultado das urnas, pesquisadores desenvolveram, entre outros arcabouços teóricos, o do chamado voto retrospectivo (retrospective voting), que se desdobra em quatro etapas.
Em um primeiro movimento, os eleitores observam algum evento tido como relevante (uma crise, um desastre, uma guerra) e examinam seus resultados (mortes, desemprego, crescimento econômico). Depois, atribuem a responsabilidade por tais resultados às atitudes do governante no poder. No terceiro passo, essa atribuição de responsabilidade influencia o voto do eleitor. Por fim, os políticos, antecipando esse mecanismo, adotam medidas que atendem às aspirações dos eleitores, a fim de não serem removidos do poder.
Nessa perspectiva, é útil perguntar se os eleitores são capazes de avaliar corretamente o desempenho dos políticos. Pode ocorrer de a população usar informações irrelevantes para a sua decisão na hora do voto, atribuindo peso excessivo a eventos recentes ou não conseguindo distinguir o desempenho dos seus governantes do contexto em que se encontram. Um famoso caso foi relatado pelos cientistas políticos Christopher Achen e Larry Bartels: o presidente americano Woodrow Wilson perdeu votos nas cidades litorâneas de Nova Jersey na eleição de 1916 devido a uma onda de ataques de tubarão antes da eleição. Estendendo sua pesquisa, Achen e Bartels sugerem, a partir de dados sobre secas e enchentes nos Estados Unidos ao longo do século XX, que os eleitores punem sistematicamente os políticos por eventos climáticos que estão fora do controle do titular. Períodos extremamente secos ou úmidos durante o ano eleitoral podem custar ao partido do presidente em exercício cerca de 1,5 ponto percentual dos votos.
Um grupo de pesquisadores encontrou evidências de que eleitores podem ser influenciados até mesmo por eventos absolutamente irrelevantes para a corrida eleitoral. Investigando as eleições para presidente, governador e senador nos Estados Unidos, o grupo identificou que eleitores cujo time de futebol havia sido vitorioso poucos dias antes das eleições tenderam a votar em candidatos à reeleição. E é também possível que os eleitores não distingam bem entre as capacidades do político e o contexto do momento. Isso ocorre, por exemplo, quando o processo eleitoral se dá em um cenário macroeconômico desfavorável. Apesar de relevante do ponto de vista econômico e do bem-estar da população, a situação adversa pode não ter nenhuma relação com as atitudes do incumbente, que, entretanto, tende a sofrer um revés nas urnas.
Quando ocorrem catástrofes, os que estão no poder são chamados a agir e atraem os holofotes para suas atitudes, alimentando o eleitorado com mais informações sobre suas competências ou incompetências. Para um evento natural ser considerado um desastre, não basta que seja extremo, mas deve atingir de maneira significativa a população (um furacão no meio do oceano, por mais extremo que seja, não é um desastre se não atinge ninguém). Não são poucos os desastres que afetam severamente a vida das populações: há desde as monções na Índia aos furacões nos Estados Unidos, as enchentes no Paquistão e os terremotos no México e na Turquia, os tsunamis no Japão. Para cada caso, a análise das consequências políticas deve estar atenta ao contexto econômico, social e político em que o evento extremo impacta a população.
O primeiro fator a se considerar diz respeito ao comparecimento nas eleições, principalmente nos países em que o voto não é obrigatório. Atingido por um desastre, o eleitorado pode exibir diversos tipos de reação política em termos de comparecimento às urnas. Podemos chamar a primeira reação de efeito mecânico: em um cenário de terra arrasada ou em que a infraestrutura local é severamente danificada, a população simplesmente não consegue comparecer, fisicamente, aos locais de votação. Os pesquisadores Lukas Rudolph e Patrick Kuhn citam dois casos ocorridos na Alemanha em que enchentes precederam as eleições: em 2002, no sistema do Rio Elba, na Saxônia, e em 2013, na região do Rio Danúbio, na Bavária. Em ambos os casos, os danos materiais foram enormes (entre 8 e 9 bilhões de euros) e demandaram ações das esferas federal, estadual e distrital. Nos dois casos, o comparecimento às urnas nas regiões mais atingidas foi substancialmente reduzido.
A segunda reação é o afastamento do processo eleitoral por parte da população. Os pesquisadores Halfdan Lynge e Ferran Martinez i Coma mencionam que, em um cenário ruim para os eleitores, como quando vivem em condições econômicas desfavoráveis, eles podem ter problemas mais imediatos com que se preocupar – e deixam de lado a preocupação com a escolha do governante. Mas o distanciamento da política também pode refletir um descontentamento com o governo. A pesquisadora Michaelene Cox, ao estudar os vínculos entre confiança e comparecimento às urnas na União Europeia, apontou que, se os eleitores não têm confiança no governo, sentem-se desestimulados a participar do processo político.
Esse mecanismo não parece muito distante do descrito por outra pesquisa, que estudou os efeitos de enchentes em 2010 e 2011 no Paquistão: o comparecimento às urnas foi maior nas regiões afetadas por enchentes anteriores às daqueles anos. A pesquisa reputa o maior engajamento político ao aprendizado da população a respeito da relevância das ações governamentais. Se essas ações foram positivas, há um aprendizado sobre elas, e o consequente aumento da confiança no governo, que leva potencialmente ao maior engajamento político. Corrobora com essa interpretação um estudo recente sobre os efeitos de um terremoto na Cidade do México. A pesquisa concluiu que, embora o desastre reduza a confiança no governo, esse efeito é substancialmente atenuado quando a população identifica os esforços dos mandatários para aliviar os danos.
Uma terceira reação está atrelada à ideia de capital social. (Seguimos aqui o cientista social Michael Woolcock, que descreve “capital social” como sendo as “redes incorporadas em estruturas sociais que permitem que as pessoas ajam coletivamente”.) Um dos principais estudiosos do tema, Robert Putnam aponta que tais redes constituem uma matriz de vínculos sociais que permite que as pessoas tenham acesso a ideias, informações, dinheiro, serviços e favores de maneira informal. Essas redes estão relacionadas tanto a processos de defesa e recuperação de certa população, se confrontada com uma catástrofe (não necessariamente natural), quanto com o seu engajamento político.
Muitas vezes o capital social pode ser útil em situações críticas e aumentar a resiliência das pessoas. Naturalmente, é muito relevante o suporte de amigos, vizinhos, familiares e demais conexões sociais na recuperação daqueles que sofreram determinado impacto. Também a capacidade de transmissão confiável de informações importantes é essencial para sobrevivência em situações de risco. Nessa rede, tal como a definimos, além de haver mais facilidade de comunicação, o nível de confiança entre seus membros tende a ser mais elevado, potencializando o processo de transmissão.
Os pesquisadores Robert Hawkins e Katherine Maurer mostraram em um estudo sobre os impactos do furacão Katrina, nos Estados Unidos, em 2005, que, quanto maior o nível de capital social de uma população, maior a sua facilidade em conseguir recursos – financeiros ou não – para a resistência à catástrofe, e maior a própria resiliência das famílias. Enquanto a ocorrência de desastres é associada ao aumento do capital social na população atingida, reciprocamente o capital social é relacionado ao aumento da resiliência a eventos extremos. Em consequência, como os economistas Hideki Toya e Mark Skidmore mostraram, desastres são um fator importante na criação de níveis de confiança social, com a rede de apoio fortalecendo os laços entre as pessoas.
Observa-se também que, quanto maior é o nível de capital social em determinada população, maior é a participação política, podendo-se esperar, dessa maneira, maior comparecimento às urnas. Vários estudos confirmam esse fenômeno, como o do cientista político Anirudh Krishna, que analisou a participação política em pequenas cidades na Índia. Ele mostrou que havia uma importante correlação entre níveis de capital social e participação política nas regiões estudadas. Curiosamente, o capital social se mostrou mais relevante do que riqueza, idade e religião na relação com a participação política. De fato, quando Woolcock discute as ideias de Putnam, ele diz que capital social tem o potencial de “fazer a democracia funcionar”, conectando ação coletiva e desenvolvimento econômico.
Qual desses três efeitos – mecânico ou impossibilidade física de comparecer ao local de votação, afastamento do processo eleitoral por perda de confiança no governante, e capital social – será o mais relevante para a estratégia de engajamento político adotada por determinada população depende da realidade de cada região, bem como do contexto do país, do desastre ocorrido e da reação dos governantes.
A próxima pergunta a ser feita, depois da questão do engajamento político dos cidadãos, é sobre o desempenho dos políticos nas eleições que acontecem após um desastre. Ao avaliar as atitudes dos governantes, a população observa sua competência e pode recompensá-los com um novo mandato ou removê-los do poder.
Estudos indicam que, quando a população nota que os governantes se esforçaram para combater os efeitos da catástrofe, eles são recompensados. Um exemplo é trazido pelos pesquisadores Cesar B. Martinez-Alvarez e José Maria Rodriguez-Valdez, que estudaram os efeitos políticos de um terremoto de magnitude 7,1 que atingiu a Cidade do México em 2017, matando mais de 360 pessoas. Para lidar com a crise, o governo local implantou diversas políticas, entre elas o auxílio para aluguéis e reconstrução de moradias. Os pesquisadores mostram que o governante de nível municipal teve um leve aumento do número de votos nas regiões mais afetadas pelo terremoto, o que é atribuído em parte a essas políticas de recuperação.
Seguindo linha similar, um estudo sobre a influência das catástrofes na política nos Estados Unidos identificou que candidatos à Presidência e ao governo estadual foram, em geral, punidos nas urnas em razão dos danos graves sofridos pela população. Contudo, os governantes que adotaram medidas de alívio aos desastres lograram o efeito contrário: os efeitos negativos sobre os votos foram substancialmente reduzidos.
No Japão, um estudo recente a partir das enchentes sofridas pelo país ao longo de décadas aponta na mesma direção e sugere que gastos com assistência social aumentam os votos para os candidatos que estão no poder. Há, porém, exceções. O desastre de Fukushima, ocorrido em 2011, produziu um efeito diferente no futuro eleitoral do partido então no poder. Um terremoto de magnitude 9,0 atingiu a Costa Leste japonesa e causou um tsunami que fez com que a usina nuclear Fukushima Daiichi fosse engolida por uma onda de 13 metros de altura, que inundou o local e destruiu o sistema de segurança. As ondas ao longo da costa mataram 18.500 pessoas e cerca de 300 mil foram retiradas da região. Além do impacto imediato do desastre, o risco de vazamento da usina nuclear ampliou a catástrofe, com várias consequências para o país.
O contexto político à época não era trivial. O Partido Liberal Democrata (LDP), de perfil centralizador e clientelista, vinha dominando a política do Japão havia décadas (o cientista político Ethan Scheiner disse que o LDP formava quase um monopólio). Com as mudanças na estrutura política japonesa, assumiu o poder, em 2009, o Partido Democrata do Japão (DPJ), que tinha entre suas bandeiras promover a descentralização política e lutar contra a corrupção no país. O desastre triplo de Fukushima – por ter envolvido um terremoto, um tsunami e um acidente nuclear – revelou à população as várias dificuldades do governo do DPJ para fazer o diagnóstico e o gerenciamento do desastre, entre eles não dispor de uma agência para cuidar de emergências desse tipo, com planos bem definidos e capacidade de comunicação com outras áreas do governo.
Além disso, a população percebeu a dificuldade do DPJ em promover sua almejada descentralização no país, dada a lentidão do processo de recuperação das próprias regiões afetadas pelo desastre. Vale mencionar, ainda, que a falha do governo em comunicar adequadamente a extensão do vazamento radioativo no país ampliou a desconfiança dos eleitores. Com esse acúmulo de problemas, o DPJ foi punido severamente nas urnas, em escala nacional.
As medidas de alívio pós-desastre, entretanto, podem ser, na ótica política, mais importantes do que a própria prevenção. Ao analisar os efeitos de desastres nos Estados Unidos, os cientistas políticos Andrew Healy e Neil Malhotra observaram o seguinte resultado: os eleitores costumam recompensar os políticos por medidas de alívio depois de uma catástrofe, mas nenhum efeito parecido foi encontrado com políticos que destinaram a medidas de prevenção. Ao investigarem mais a fundo os resultados de sua pesquisa, Healy e Malhotra encontraram alguma explicação para esse fato: as medidas de prevenção têm caráter coletivo (um dique construído para conter enchentes serve a todos, e não a uma pessoa somente), ao passo que as medidas de alívio têm caráter individual (o indivíduo recebe um repasse do governo, por exemplo), afetando mais positivamente o voto de cada eleitor.
As pesquisadoras Carla Moran e Sonia Paty encontraram um resultado similar em um estudo recente que estimou as consequências políticas de desastres naturais na França. Ao avaliarem eleições municipais ocorridas depois de catástrofes entre 2008 e 2020, Moran e Paty identificaram que os prefeitos de cidades atingidas por algum desastre durante sua gestão apresentavam menor probabilidade de reeleição. Mesmo os prefeitos que implantaram medidas de prevenção contra eventos extremos, com isso mitigando seus efeitos, não foram recompensados pela população. É essa miopia do eleitorado que atrapalha na hora de persuadir os governantes a realizar medidas de prevenção que sejam do interesse da população.
Esse ponto fundamental nos remete à discussão sobre um dilema político inerente que parece existir entre medidas de prevenção e medidas de alívio pós-desastre. No caso do Rio Grande do Sul, é possível que o cuidado com as estruturas de contenção das enchentes teria salvado vidas e o patrimônio da população. Entretanto, para os eleitores essa ação dos governantes seria, em certa medida, invisível. De fato, se não há elevação dos níveis dos rios nem ameaça de enchentes, os resultados da manutenção do bem público não se materializam aos olhos da população. Mesmo que ocorra a elevação do nível do rio e o sistema de defesa funcione com perfeição, protegendo a cidade da catástrofe, a visibilidade da atuação governamental pode não ser tão evidente quanto no momento em que, depois do desastre, ele fizer repasses de verba para aliviar a população de uma situação catastrófica. Sem dúvida que medidas de alívio pós-desastre são importantes, mas é essencial que a sociedade civil esteja atenta ao que é efetivamente feito para evitar tragédias.
Será que o capital social de uma população pode ajudar a resolver o dilema político entre prevenção de desastre e gratidão eleitoral pós-desastre? Será que contribui para que a sociedade civil fique atenta às ações tomadas pelos governantes, possa entendê-las e torná-las mais completas? Para Woolcock, o capital social é uma forma de resolver a questão da ação coletiva. Quando o indivíduo age motivado por aquilo que entende ser melhor para si, pessoalmente, ele pode chegar a uma solução que não é a ideal para o seu grupo social. Esse comportamento individual, porém, tende a ser mitigado pelo capital social, que facilita a decisão coletiva e favorece o grupo – além, obviamente, de influir na implementação de uma boa governança pública e, portanto, na avaliação de políticos pelo eleitorado.
No caso do Japão, no contexto do triplo desastre, foi observado que em regiões com maior nível de capital social (medido pelo número de bibliotecas e salões públicos per capita, de organizações religiosas e taxa de voluntariado) apresentaram maior comparecimento às urnas nas primeiras eleições depois do terremoto. Nessas eleições, os candidatos do partido da situação, o DPJ, foram os mais penalizados. Esse resultado está potencialmente atrelado à ideia de que, quanto maior o capital social, maior a vigilância das pessoas com relação às atitudes dos governantes.
Dissemos que há evidências de que uma população impactada por eventos extremos (não somente naturais) tende a exibir mais coesão dentro de suas redes – ou maior capital social. Os economistas Johannes Buggle e Ruben Durante apontam que os riscos climáticos geram um maior grau de cooperativismo em uma sociedade. Esse resultado também foi encontrado no caso do Japão, país que, por estar submetido há tempos a condições naturais extremas, pode ter desenvolvido uma forte cultura cooperativista. Não à toa, em um ranking do capital social em 180 países, feito em 2023 pela SolAbility, o Japão ocupa o quarto lugar, depois de Finlândia, Islândia e Eslovênia. O Brasil aparece na 138ª posição[aln1].
Tendo em mente todos esses casos, o que podemos extrair para a situação no Rio Grande do Sul? As enchentes resultam num episódio similar ao terremoto no Japão, quando foram identificadas diversas fragilidades na preparação e na resposta do governo. O descuido com o sistema de defesa foi apontado por vários especialistas, mas ainda é cedo para avaliar as ações do poder público gaúcho para a recuperação das regiões.
A responsabilização da tragédia gaúcha não é trivial e demanda que a população esteja atenta às atribuições nas diferentes esferas de governo. Deve-se também avaliar o nível de capital social na Região Sul do país, o que não é tarefa fácil. A economista Eduarda Alves, que sugeriu um índice para medir o capital social nos estados brasileiros, demonstrou que Rio Grande do Sul e Santa Catarina exibem valores mais elevados do que a média das unidades da federação. Vale mencionar que a autora atribui à participação política alta relevância na métrica que elaborou – que vai de 0 (menor nível de capital social) a 1 (maior nível). Enquanto Santa Catarina exibe valor 1, o Rio Grande do Sul tem índice de 0,8, seguido por São Paulo e Paraná, ambos com 0,79.
De fato, se olhamos para a estrutura social do Rio Grande do Sul, vemos indicativos importantes de capital social. Em 2022, o estado abrigava o maior número de pessoas associadas a cooperativas de agropecuária, como indica o Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2023. As pesquisadoras Kadígia Faccin, Janaina Macke e Denise Genari, por sua vez, encontraram altos índices de capital social nas vitivinícolas da Serra Gaúcha. Para completar, deve-se ressaltar o papel do orçamento participativo para a ampliação do sentido de ação cooperativa na região, como indicou a pesquisadora Rebecca Abers. Criado em 1989 em Porto Alegre, o orçamento participativo foi um meio de decidir em assembleias regionais qual seria a prioridade dos gastos públicos. Abers aponta que, ao longo dos anos, houve um gradual aumento da participação da população no processo decisório, o que resultou em aprendizado sobre o modo de tomar decisões coletivas.
Sendo assim, pode-se esperar que a população gaúcha se engaje socialmente na avaliação dos efeitos da catástrofe, não se furtando a participar do processo político. A decisão a ser tomada nas urnas em outubro será, com certeza, influenciada pelas enchentes de maio e terá papel importante na construção da resiliência do Rio Grande do Sul com respeito às mudanças climáticas. Irão os eleitores gaúchos punir os políticos por não terem cuidado da prevenção do desastre? Ou os eleitores serão sobretudo gratos aos políticos pelas medidas de alívio criadas depois da tragédia?