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    Ilustração: Carvall

questões da informação

A guerra das fontes

Wikipédia inclui Jovem Pan e portais de esquerda na lista de veículos considerados não confiáveis

Bernardo Esteves | 04 abr 2022_12h24
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A Jovem Pan, grupo de comunicação que se define como o maior da América Latina na área de radiodifusão, foi incluída no fim de março na lista de fontes consideradas não confiáveis pela comunidade de editores da Wikipédia em português. Com essa decisão, qualquer usuário da enciclopédia eletrônica agora tem legitimidade para remover informações que tenham sido inseridas ali com base em conteúdos publicados pela Jovem Pan – o grupo de mídia tem emissoras de rádio e tevê e um portal de notícias na internet.

A medida foi tomada no âmbito de uma avaliação da qualidade das fontes promovida pelos editores da Wikipédia lusófona. Desde janeiro, também foram incluídas na lista de fontes não confiáveis a revista Oeste, a produtora audiovisual Brasil Paralelo e os portais Diário do Centro do Mundo e Brasil 247.

A Wikipédia é regida por regras definidas por seus próprios usuários, desde que obedeçam a um conjunto de pilares editoriais inegociáveis. A plataforma não pode ser a fonte original de uma informação: todo o conteúdo incluído em seus verbetes tem que ser baseado em alguma fonte externa, e cabe aos editores definirem quais delas são consideradas fidedignas. A enciclopédia existe em mais de trezentos idiomas, e cada edição tem sua comunidade de usuários e seu conjunto de regras.

O grupo de comunicação Jovem Pan teve origem com uma emissora de rádio – a Panamericana – fundada em São Paulo em 1942 e rebatizada como Jovem Pan nos anos 1960. A rádio hoje tem quatro emissoras próprias e mais de cem afiliadas; o grupo de mídia conta ainda com dezenas de canais no YouTube e uma plataforma de streaming, além de um canal noticioso na tevê fechada que estreou em outubro passado, a Jovem Pan News. Tradicionalmente voltada para a classe média paulista, a Jovem Pan canalizou o conservadorismo que cresceu na sociedade brasileira nos últimos anos, particularmente desde que passou a ser dirigida por Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, neto de Paulo Machado de Carvalho, que comprou a Rádio Panamericana de seus primeiros donos, ainda nos anos 1940. Tutinha esteve à frente da Jovem Pan FM a partir de 1976 e em 2014 assumiu o comando do grupo de mídia.

A Jovem Pan é a emissora para a qual o presidente Jair Bolsonaro deu mais entrevistas exclusivas desde o início do mandato (foram duas num único dia em janeiro deste ano). No programa Os Pingos nos Is, a Jovem Pan deu visibilidade aos argumentos do agrônomo Evaristo de Miranda, o ideólogo da política ambiental do governo Bolsonaro, recentemente denunciado por cientistas brasileiros por fabricar falsas controvérsias com o objetivo de afrouxar a legislação ambiental. Durante a pandemia, comentaristas e convidados da emissora questionaram a eficácia das vacinas e das medidas de distanciamento social – a equipe de apresentadores e analistas do grupo Jovem Pan inclui nomes como Adrilles Jorge, Alexandre Garcia, Ana Paula Henkel, Augusto Nunes, Caio Coppolla, Guilherme Fiuza e Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente.

A inclusão da Jovem Pan na lista de fontes não confiáveis foi proposta por Rodrigo Padula, um especialista em sistemas de informação que tem 39 anos, mora em Juiz de Fora (MG) e edita a Wikipédia há mais de quinze anos. Padula fundamentou sua proposta com base nos “posicionamentos completamente parciais, negacionismo de todos os tipos, desinformação e campanhas antivacina com diversos programas e comentaristas diariamente jogando contra a saúde da população e a democracia brasileira”.

Na avaliação de Padula, a rede publicou notícias falaciosas e perigosas sobre a Covid. “Eles colocaram em risco a sociedade brasileira com a propagação de notícias falsas e mentiras no que tange à pandemia”, disse o wikipedista à piauí. A proposta de Padula ficou aberta ao debate durante mais de dois meses. Seis usuários concordaram com ele, e um se opôs. No dia 30, o editor português Luís Almeida considerou que havia um consenso e arquivou a discussão.

Em nota enviada à piauí, a Jovem Pan afirmou que “a possível inclusão em uma lista negativa de um site onde qualquer pessoa pode entrar e editar a informação nos causa estranheza, porque a Jovem Pan se pauta pelos princípios éticos do bom jornalismo, com apuração rigorosa dos fatos e ouvindo todos os envolvidos na história”. O grupo acrescentou que pretende tomar as medidas judiciais cabíveis.

A Jovem Pan informou ainda o seguinte: “No final de cada programa de debates com comentaristas, temos uma notificação: ‘A opinião emitida pelos nossos comentaristas não é necessariamente a mesma do Grupo Jovem Pan de Comunicação.’ Então, já deixamos claro que são opiniões de terceiros e damos os fatos em nossos jornais. A Jovem Pan promove uma diversidade de opiniões em seus programas, enriquecendo o debate plural e contribuindo, assim, para a democracia.”

A revisão da lista de fontes da Wikipédia também causou repúdio nos portais esquerdistas incluídos na lista de veículos não confiáveis. Para o Brasil 247, a decisão dos editores configurou uma “ação política que corrompeu os princípios da plataforma” e mostra como a enciclopédia eletrônica “está promovendo desinformação política no Brasil, por meio de editores despreparados ou politicamente orientados”. Tanto o Diário do Centro do Mundo quanto o Brasil 247 anunciaram que vão processar Rodrigo Padula.

A decisão motivou ainda reação acalorada de entidades classistas. A Federação Nacional dos Jornalistas alegou num comunicado que a Wikipédia “não tem legitimidade para avaliar, julgar e rotular os conteúdos jornalísticos produzidos por qualquer tipo de mídia”. Em nota assinada pelo presidente Paulo Jeronimo, a Associação Brasileira de Imprensa questionou os critérios da Wikipédia e se solidarizou com os “portais progressistas (247, DCM e Fórum, entre outros)”, num gesto que parecia não se estender à Jovem Pan, ao Brasil Paralelo ou à revista Oeste.

Na visão dos editores, a reação corporativa não leva em conta o modo de funcionamento da enciclopédia eletrônica. “As pessoas decidem o que elas querem que aconteça na Wikipédia”, disse à piauí Luís Almeida, o editor que arquivou a maior parte das discussões. Almeida lembrou que os jornais a todo momento escolhem que fontes usam e o que consideram verdade ou mentira. “Toda a gente tem o direito de ter essa opinião – principalmente na Wikipédia, um website colaborativo e privado em que as regras dependem daquilo que seus utilizadores quiserem.” Na Wikipédia, Almeida é conhecido pelo nome Tuga1143 e pela criação de dezenas de artigos elogiados por seus colegas, na maioria dedicados a temas militares e ligados à aviação (ele próprio serviu a Força Aérea Portuguesa no passado).

Apesar do barulho que fez na internet, a decisão dos editores terá pouco impacto prático na enciclopédia eletrônica. “Quando a fonte não é muito confiável, já não é muito utilizada na Wikipédia”, disse Rodrigo Padula. “Um editor experiente não vai pegar o Brasil 247 ou a Jovem Pan para referenciar os artigos, vai recorrer a outros meios amplamente utilizados ali.” Numa busca feita na manhã de 1o de abril, havia na Wikipédia em português 105 artigos que citavam o site da Jovem Pan – incluindo a biografia de Jair Bolsonaro e os verbetes “Impeachment no Brasil” e “Pandemia de Covid-19 na África” –; outros 45 mencionavam o site do Brasil 247 – caso dos artigos dedicados ao MST e à greve de caminhoneiros em 2018 ou do verbete “Vice-presidente da Venezuela”.

A decisão pode prejudicar a pluralidade do debate neste ano eleitoral na avaliação da jornalista e wikipedista Oona Castro. “Veículos com jornalistas profissionais, quando comprometidos com checagem dos fatos, apesar de muitas demonstrações de viés político (tanto nos de grande audiência que se declaram imparciais como nos assumidamente ideológicos), têm cumprido importante papel no debate público no atual cenário caracterizado por grande propagação de desinformação”, escreveu Castro num fórum de discussão da Wikipédia. Em vez de simplesmente banir essas fontes, acrescentou, o ideal seria classificá-las melhor, com categorias como “confiáveis com ressalvas”, “não recomendadas para assuntos políticos” ou “comprometida com o partido x”.

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