Vieux Farka Touré, Ibrahim Ag Alhabib (Tinariwen), Amadou Bagayoko (Amadou & Marian), Toumani Diabaté. Por que os melhores guitarristas da atualidade são africanos?
Eis um poema visual para explicar:
Simples como uma rima fácil. Complexo como a criação. Alegoria da busca pela vida. O garoto congolês mostra como nasce um blues. De uma controvérsia. Do desafio ao privado. Da vontade de tocar a vida, manuseá-la. Construir algo com o que está ao redor. Perseguir e compor sons.
Fazer música não pressupõe saber tocar um instrumento. Entendi essa dinâmica, digamos, quando visitei uma escola de música numa comunidade carente de Camaragibe, Pernambuco, criada pelo percussionista Garnizé (ex-Faces do Subúrbio e F.Ur.T.O.). Ele ensinava a garotada a explorar e manipular os sons mesmo sem saber música.
Criar, compor, reproduzir e construir seu instrumento. Fazer sons brotarem a partir do contato com o chão. Assim como uma planta, os sons cresciam e floresciam em instrumentos de cordas e percussão. Tudo feito a mão.
É como vejo e ouço o blues africano. Principalmente o blues do deserto. O blues de Mali, do Tinariwen, dos Farka Touré Ali e Vieux, pai e filho. Um contraponto ao blues americano que porta o charme do lamento da decadência e autodestruição: o que se vê e ouve das guitarras africanas é uma ode à construção e ao otimismo.
Uma experiência radical que ilustra a transformação de barreiras em plataformas. Música como celebração da existência.
Capa de Imidiwan, do Tinariwen. A guitarra artesanal como símbolo antropológico.
Tinariwen e o blues do deserto
É com espírito de celebração que vou assitir ao show do Tinariwen no festival Back2Black, em sua versão paulistana, no próximo dia 30. O quinteto bérbere é o expoente do cenário musical Tuareg, ou ishumar rock. Músicos absolutamente engajados com o componente fundador da cultura: a criatividade.
Tuareg que no árabe significa “abandonados pelos deuses”. Povo nômade, com trajetórias de vida envolvidas com as lutas políticas pela libertacão de Mali do imperialismo francês. O Tinariwen, que na sua língua, o Tamashek, significa desertos, nos leva a desprezar o devido balanço que se deve dar a uma crítica quando a pauta deriva para a romantização.
Pois não tem como dissociar a imagem de um cabo de guitarra elétrica sob a areia do Saara de algo que se deva romantizar. É uma ilustração poética da realidade cercada de pragmatismo: sob a amplitude do deserto e os desafios da sobrevivência, restam instrumentos semi-acústicos, artesanais e fáceis de serem plugados às almas nômades do Tinariwen. De um povo que fez sua revolução queimando armas e elegendo a música como principal expressão.
E assim a história brota das músicas do Tinariwen, embaladas por um estilo de tons peculiares ao blues contaminados por aspectos arenosos, porém nada áridos. Pop egípcio, rai argelino, rock, blues. Fértil diversidade de sons destilada em toques guitarrísticos que oscilam riffs, ritmos e solos hendrixianos do líder e fundador do Tinariwen, Ibrahim Ag Alhabib, de 50 anos.
O resultado é uma música de contrapontos melódicos que sublinham os tantos paradoxos existenciais do povo do deserto e uma carreira registrada em cinco discos: The Radio Tisdas Sessions (2001), Amassakoul (2004), Aman Iman (2007), Imidiwan (2009) e Tassilli, a ser lançado no próximo dia 30. Gravado em Djanet, na Argélia, o álbum contou com a participação dos TV On The Radio Kyp Malone e Tunde Adebimpe, do maestral guitarrista do Wilco, Nels Cline, e da Dirty Dozen Brass Band.
Vídeo Tenere Taqhim Tossam, nova música do Tinariwen, com participação dos TV On The Radio Kyp Malone e Tunde Adebimpe
Tendo sob seus turbantes memórias de apresentações nos mais consagrados festivais de música do mundo, e principalmente no Festival do Deserto, que se realiza em Mali, hoje o Tinariwen vive um outro tipo de nomadismo. Trafegam de Nova Iorque a Tókio, por entre arranha-céus e encruzilhadas urbanas, mas sem perder de vista a amplitude do deserto, sem esquinas e caminhos definidos, com todas as probabilidades encancaradas. Dom e tom destes dias.