07jul2011 | 12h58 | Cultura

Biblioteca varonil Bolsonaro

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A literatura não vai bem. Assim pensa Jair Bolsonaro, político fluminense, humanista de fôlego e intelectual influente nas rodas mais liberais da dissidência radical de extrema direita. “A sem-vergonhice vem de muito tempo”, ponderou o deputado, ao lado de seu fuzil de estimação. “Já nas peças de Sófocles a gente vê filho dando em cima de mãe, irmã desrespeitando a Lei e a Ordem e uma conversa mole de democracia que soa a socialismo. E por todos os lados, uma multidão de mestiços lúbricos desencaminhando a soldadesca. Eu decidi agir.” Depois de assumir, com sucesso, a redação dos novos kits escolares contra a homofobia, nos quais ensina a caridade e a tolerância – “casais homossexuais só devem ser discriminados quando os noivos forem do mesmo sexo” –, Bolsonaro lança-se agora numa ambiciosa empreitada editorial: reduzir a literatura universal a quinze títulos (“o mesmo número de balas da minha Glock”), os quais formarão a “A Biblioteca Varonil Bolsonaro”. Os volumes serão reescritos por renomados eruditos de modo a corrigir pequenas distorções do texto original. Adotando os melhores princípios do rigor acadêmico, da moralidade cristã e da moderna teoria eugênica, na BVB todos os homens serão brancos, todas as mulheres serão castas e Preta Gil será invariavelmente presa. The piauí Herald adianta os primeiros lançamentos.

Christiane Gil, drogada e promíscua
Por Reinaldo Azevedo

A nova versão se passa na cidade de Salvador, onde “homens de prosa mole e pouca testosterona rebolam seminus num ritual de ode a boiolagem chamado carnaval”. A narrativa impressiona pela descrição detalhada do ambiente em que Christiane Gil cresceu. “Num antro de marxismo e concupiscência, Christiane Gil, 14 anos, qual uma deusa da fertilidade, passava as tardes na rede, mirando a juventude evolar-se como as volutas de fumaça do baseado que trazia à mão”, diz um dos trechos mais pungentes da narrativa. Dado Dolabella contribui com um soco e um posfácio.
 

Sítio do (finado) pica-pau amarelo
Por Hildebrando Pascoal

No sítio de Bolsonaro é permitido caçar. “Todo mundo sabe que pica-pau é uma praga, e na minha versão do livro Pedrinho dá logo um pipoco de AR-15 no bicho”, explicou o deputado. A releitura do clássico de Monteiro Lobato também prevê a derrubada do pomar para o plantio de soja transgênica. Ao longo das edições subseqüentes, o sítio perderá progressivamente a cobertura vegetal, “e os ambientalistas que se entendam com a Cuca, que aliás tomará umas porradas muito bem dadas pela polícia.” Tia Nastácia será despedida logo no primeiro capítulo “para evitar que desencaminhe Narizinho com aqueles seios fartos”, e o Visconde de Sabugosa só será incluído no enredo se “der um jeito na boiolice”.

A Moreninha
Por Paulo César Peréio

Na edição revista, Augusto não resiste aos avanços libidinosos de Carolina, a Moreninha do título, e morre de exaustão. “O livro é bom, mas faltou ao Joaquim Manoel de Macedo ser macho para dizer o que saltava aos olhos da sociedade do seu tempo, ou seja, que essas moreninhas são todas umas pitonisas do sexo.” Baseado nas evidências do romance, Bolsonaro pediu a prisão de Preta Gil.

Casa Grande & Dependências
Por Carlos Alberto Brilhante Ustra

“Senzala é um termo típico de intelectualzinho de esquerda, daqueles bem afetadinhos que chamam revolução militar de golpe”, observa Bolsonaro, em erudita nota introdutória à nova edição renomeada do clássico de Gilberto Freyre. “Dizem que Freyre era de direita, mas é óbvio que o homem tinha mais inclinação pela esquerda do que esse Chico Buarque. A historiografia mostra que as senzalas eram espaçosas e arejadas, com palha de boa qualidade no chão.” Bolsonaro destaca a importância dos capítulos que tratam do conúbio carnal entre brancos e negros. O livro se tornou peça-chave da ação criminal contra Preta Gil.

Lançamentos futuros

Dom Casmurro
Por Anthony Garotinho

Em vinte páginas ilustradas, Garotinho descreve a rotina de Capitu, uma moça religiosa, que só usa saia abaixo do joelho e gola abotoada até o pescoço. Não que não seja sapeca: em momentos de grande excesso é capaz de beber até dois copos de guaraná. “Como toda mulher moderna, Capitu só sai do fogão para ir à missa. Quando anda na rua, abaixa a cabeça para não cruzar a vista com algum Bentinho safado", diz a sinopse.

Grande Sertão: Veredas
Por Reginaldo Rossi
A nova versão desbasta a linguagem impenetrável e descobre a verdade sobre Riobaldo e Diadorim: os dois não passam de uma dupla sertaneja que derrete o coração das moças. Acompanha encarte com cifras de canções como “Homem com H”, “Fuscão Preto”, "Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme", “Pare de tomar a pílula” e “Eu vou tirar você desse lugar”.
 

Guerra e Paz
Por Mike Tyson

Na versão encomendada a Tyson, as 900 páginas do clássico russo são reduzidas a 200. “Só interessa a parte da guerra. Paz é coisa de maconheiro”, explica o deputado, que publicará o livro com o título de . A edição oferecerá possibilidades de merchandising para anunciantes da indústria bélica. “‘Imaginem se o Príncipe Andrei souber que estive em poder dos [aviões Mirage, submarinos nucleares classe Scorpène, helicópteros Cougar] franceses!’, exclamou a princesa Maria Nikolayevna Bolkonski. “Que eu, a filha do Príncipe Nicolau Bolkonski, pedi ao General Rameau que me protegesse [com uma pistola Sig-Sauer P220 com corpo de polímero] e que aceitei o seu favor!’”

 

No coração das trevas
Por Nuno Leal Maia

Jair Bolsonaro aproveita apenas o título do clássico de Joseph Conrad. O livro inaugura a coleção de coffee table books assinada pela mãe do deputado, dona Jeruza Bolsonaro. Luxuoso e fartamente ilustrado, este primeiro volume é um convite para que o leitor viaje pelas soluções criativas de decoração que Preta Gil encontrou para suas residências.