Graças ao primoroso restauro patrocinado pelo World Cinema Project da Film Foundation, há algumas semanas foi possível assistir ao História de Taipei, projetado nas telas do Instituto Moreira Salles do Rio e de São Paulo.
A Film Foundation é uma organização sem fins lucrativos, instituída em 1990, criada e presidida por Martin Scorsese, que já apoiou o restauro de mais de 750 filmes. O World Cinema Project em si já restaurou 31 filmes de 21 países.
Apesar de terem sido poucas sessões em apenas duas cidades, privilegiados espectadores puderam conhecer ou rever um filme excepcional nas melhores condições possíveis. Considerado um dos grandes filmes mais negligenciados da história do cinema, História de Taipei é o segundo longa-metragem de Edward Yang (1947-2007) que foi considerado “um dos cineastas mais talentosos, e menos conhecidos, do mundo”.
Nascido em Xangai, Yang cresceu e estudou em Taipei. Formado em engenharia elétrica, fez seu mestrado nessa área na Universidade da Flórida. Desistiu de estudar cinema na Universidade do Sul da Califórnia quando percebeu, nas suas próprias palavras, “não ter nenhum talento. Eu não tinha o que é necessário para entrar no negócio do cinema, então abandonei o curso. Eu admiti que não devia sonhar esse sonho […]”. Embora bem-sucedido trabalhando com microcomputadores, declarou que estava também cada vez mais insatisfeito e com vontade de retomar sua experiência de realizar filmes.
Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972), de Werner Herzog, mudou o curso da vida de Yang e o levou à sua breve carreira influenciada pelos filmes de Michelangelo Antonioni (1912-2007). Após oito longas-metragens realizados entre 1982 e 2000, e de receber pelo último, As Coisas Simples da Vida (Yi Yi), o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes, Yang faleceu aos 59 anos, vencido por um câncer ao qual resistiu durante sete anos.
História de Taipei, sob influência de Michelangelo Antonioni, não só é encenado e filmado com precisão milimétrica, como também estabelece um elo orgânico incomum entre o sentimento íntimo dos personagens e seu entorno. Assim, o geometrismo da mise en scène torna patente a intensidade da relação que há entre o desalento dos protagonistas e as locações, quer os interiores, quer a variedade de exteriores citadinos onde a ação ocorre em Taipei. O que o filme transmite, escreveu um crítico, é “o calafrio seco do mal-estar urbano” vivido por Lon, ex-jogador de beisebol, e Chin, sua namorada que prospera no mercado imobiliário.
O estilo de História de Taipei remete ao de A Aventura (1960), de Antonioni, no qual há, como raramente visto até então, o espelhamento da vida interior dos dois personagens principais, Sandro (Gabriele Ferzetti) e Claudia (Monica Vitti), refletidas, ao longo do filme, na cena da procura de Anna (Lea Massari), a partir do seu inexplicado desaparecimento. O embate emocional de Anna, Claudia e Sandro se dá, no início, diante dos conjuntos residenciais em construção nos arredores de Roma, passa pelas ilhas Eólias da Sicília, e depois por igrejas barrocas e construções modernas, terminando com o Etna, vulcão ativo, no horizonte na madrugada da sequência final.
Em entrevista de 2001 ao The Guardian, Yang disse ser “uma pessoa otimista. Eu acho”, declarou, “que algo positivo resultará dessa situação [a geopolítica ambígua da sua terra natal] …há muita coisa em comum entre [China e Taiwan] se pusermos de lado as velhas ideologias”.
História de Taipei está disponível em Blu-Ray e DVD da Criterion Collection, reunido a outros cinco filmes negligenciados da mesma categoria, inclusive Limite (1931), de Mário Peixoto.